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Oi, moçada!
O julgamento finalizado no STF no dia 6 de novembro pegou muita gente de surpresa.
Aliás, para alguns parecia estarmos diante de um verdadeiro apocalipse!
Então, é importante você entender, detalhadamente, o que aconteceu.
Antes, porém, um recado importante: quero que saiba que não tomo partido por Governo A, B ou C. Digo isso porque você pode ser de direita, de esquerda, do centro ou até do avesso. A análise que estou fazendo não tem nada de política.
Usarei informações técnicas, e as que são fruto da minha experiência ao longo de 27 anos no serviço público e outros 18 como professor de cursos preparatórios. Nesse período, por diversas vezes, vi notícias que pareciam bombásticas, devastadoras, mas que depois que a poeira baixou as pessoas viram que o bicho era muito menos feio do que parecia num primeiro momento.
Hora de avançarmos!
A primeira coisa que eu quero fazer é contextualizar a questão ao longo dos anos, para que se compreenda o que de fato foi decidido, ok?
Lá na época do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (faz tempo…), foi aprovada a EC 19/98, chamada também de Reforma Administrativa.
Essa Reforma veio 10 anos após a promulgação da Constituição, e trouxe mais dinamismo à Administração Pública.
As mudanças foram em vários pontos da Constituição. Uma das alterações recaiu sobre o artigo 39, acabando (lá naquela época) com o chamado Regime Jurídico Único de contratação para servidores da Administração Direta, Autárquica e Fundacional.
Veja o comparativo entre a redação original e a que foi trazida pela EC 19/98:
Redação original | Redação dada pela EC 19/98 |
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. | Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. |
Repare que a expressão “regime jurídico único” desapareceu na coluna da direita.
Com isso, a partir dali passava a ser possível contratar servidores públicos por meio de outros regimes jurídicos, além do estatutário.
Dois anos depois foi promulgada a Lei 9.962/2000, trazendo o regime de emprego.
Traduzindo, passou-se a permitir que a Administração Direta, Autárquica e Fundacional contratasse os servidores por meio da CLT.
Aqui, nasce a primeira pergunta:
Então, não precisava mais de concurso público?
Errado! Tanto para cargos efetivos quanto para empregos públicos (turma de empresas públicas e sociedades de economia mista) há a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas + títulos.
Avançando, também no ano 2000 foi ajuizada a ADI 2.135 por dois partidos políticos (PT e PDT), questionando a mudança do artigo 39 da CF, por alegado vício formal. Na ação se sustentava que a aprovação dessa mudança não teria contado com a aprovação por 3/5 dos membros da Câmara em uma das votações.
Sete anos depois, o STF julgou a Medida Cautelar que foi proposta dentro da ADI 2.135 e acabou suspendendo a norma questionada.
Efeito prático: voltou a ser aplicada a partir dali a redação original do artigo 39. Ou seja, voltou a valer o chamado Regime Jurídico Único.
Vamos para uma constatação interessante: entre 1998 e 2007 nós não tínhamos um Regime Jurídico Único!
Aqui, um parêntese: no dia 14.6.2000 tomei posse no cargo de técnico judiciário do STJ, sendo regido pelo regime estatutário – a boa e velha Lei 8.112/90.
Veja você que os concursos continuaram existindo, candidatos eram nomeados, empossados, entravam em exercício… quem se manteve firme nos estudos acabou alcançando o sonho da aprovação, certo?
Pois bem.
Vou avançar um pouco o filme e cortar para o mês de novembro de 2024! O julgamento de mérito da ADI é, enfim, concluído.
O resultado: prevaleceu o entendimento de que a tramitação da EC 19/98 não apresentou vício formal. A consequência: não há mais regime jurídico único, sendo possível a contratação de pessoal tanto pelo regime estatutário quanto pelo celetista.
É o fim dos concursos? Não, pois para qualquer uma das formas de contratação é necessária a realização de concurso público.
É o fim da estabilidade? Também não, porque os contratados pelo vínculo estatutário continuarão adquirindo a estabilidade após três anos de efetivo exercício.
Ah, Aragonê, mas é claro que os governos contratarão só por CLT agora…
Engano seu, Pequeno Gafanhoto! Afinal, como você viu, entre 1998 e 2007 isso era possível, mas não foi levado adiante.
Mas sejamos francos: é provável que para algumas carreiras administrativas os governos acabem criando leis próprias mudando o regime de contratação de pessoal – precisará de lei, uma vez que a regra vigente é a contratação pelo regime estatutário.
Isso será feito de forma ampla e abrangente? Provavelmente, não.
Carreiras de Estado, cargos no Judiciário, Ministério Público, Defensorias, Procuradorias, Carreiras Policiais… toda essa turma continuará do mesmo jeitinho…
Porém, suponhamos que a alteração atinja o cargo que você busca atualmente. Nesse cenário, há motivo para desespero?
Honestamente, penso que não. E falo com conhecimento de causa, pois já fui empregado público, regido pela CLT. Nesse período, não vi ninguém sendo demitido – mesmo não havendo estabilidade.
Se tem dúvidas sobre o que estou falando, puxe aí pela memória quantas pessoas você conhece que foram demitidas (sem justa causa) dos Correios, da Caixa ou do Banco do Brasil?
Pergunto isso, pois nessas entidades não há estabilidade. Os milhares de empregados são celetistas.
Nesse ponto, há uma decisão muito importante do STF que você precisa conhecer!
Ela foi tomada agora em 2024, e a tese fixada foi a seguinte:
“As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista.” (Tema 1.022)
Em outras palavras, o STF entende que a dispensa dos empregados públicos deve ser motivada em ato formal.
E, como você deve saber, a motivação vinculará a Administração, que precisará comprovar que aquilo ali realmente aconteceu, não dando margem a perseguições pessoais ou políticas (Teoria dos Motivos Determinantes).
Assim, aquele temor que assombra muitos concurseiros não se sustenta na vida real.
Professor, mas a estabilidade dá mais garantia ao servidor…
Sim, é verdade! Não estou aqui para “passar pano” nem para tapar o sol com uma peneira.
É melhor ser servidor estável.
Mas repito três coisas: 1) a esmagadora maioria das contratações continuará sendo pelo regime estatutário; 2) nos casos em que a contratação se der pelo regime da CLT a dispensa do servidor não poderá ser por ato arbitrário ou discricionário; 3) em todos os casos, continuará sendo exigido concurso público.
Professor, isso aí vai levar à privatização?
Não, Pequeno Gafanhoto! Uma coisa não tem nada a ver com a outra… como você vai privatizar uma polícia, o INSS ou um tribunal?
Agora vou tocar num ponto sensível…
Infelizmente, a terceirização é uma chaga que tem avançado silenciosamente na Administração Pública.
Entendo, de coração, que as carreiras que poderão ser impactadas com a mudança são exatamente aquelas que estão mais sujeitas à terceirização atualmente. Uai, contratar o servidor pelo regime da CLT é melhor do que terceirizar (quando nem concurso existe e se abre margem para apadrinhamentos).
Outra coisa: mesmo nos concursos públicos destinados a empregos públicos (regidos por CLT), o que vemos é uma multidão de interessados. Basta ver que o concurso dos Correios, para o cargo de Agente (Carteiro) reuniu mais de 1,5 milhões de inscritos.
Ah, mas isso acontece em concursos de entrada… eu quero um cargo mais elevado, com melhor remuneração…
Então, veja que também houve uma grande procura para o concurso do BNDES, com remuneração inicial acima de 20 mil reais – nada mal, hein?
Por fim, uma ressalva para lá de importante: nada muda para quem já é servidor – seja estatutário ou celetista. Os atuais servidores continuarão seguindo o mesmo regime pelo qual foram contratados.
Depois que disse tudo isso, talvez você ainda continue desanimado, desesperançoso.
Ao contrário da turma que fala “desistir não é opção”, eu prefiro ir por outro caminho.
Acredito que desistir seja uma opção sim. Porém, não me parece ser a melhor… Sugiro um exercício de reflexão: pense aí se você gostaria de estar na condição em que se encontra daqui 10, 20 ou 30 anos.
Caso se sinta confortável, desistir dos concursos é uma opção palatável. Do contrário, eu arregaçaria as mangas, não daria ouvidos à turma do Apocalipse e trabalharia incansavelmente para ser aprovado o quanto antes.
Siga firme, amigo concurseiro! O que mudou minha vida também pode mudar a sua!
Aragonê Fernandes
Professor de Direito Constitucional do Gran
Juiz de Direito do TJDFT
Servidor Público há mais de 27 anos
Fonte: Gran Cursos Online