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Quando o Brasil foi eliminado pela Bélgica na Copa de 2018, Alexandre Falchi não gritou com a televisão. Assistiu à partida deitado em uma maca, segurando o celular com a única mão que ainda controlava. Horas antes, uma virose abrira caminho para uma lesão cerebral que paralisaria todo o lado esquerdo do seu corpo. Ninguém explicou direito como; apenas deram o diagnóstico seco: hemiparesia. Aos 44 anos, 26 deles dedicados à sala de aula, o professor de Biologia passou a conjugar verbos no tempo da incerteza: “eu reaprendo, tu reaprendes, ele reaprende.”
As semanas seguintes foram uma sucessão de sustos. Primeiro, o espelho: o tenista amador e corredor de fim de tarde reduzido a alguém incapaz de abotoar a própria camisa. Depois, a saída forçada da escola onde lecionava. Por fim, o divórcio. Em poucos meses, Alexandre perdeu mobilidade, trabalho, rotina doméstica e o convívio diário com os filhos. Tudo que lhe restava cabia em dois lugares: o quarto de fisioterapia e a mesa do notebook, de onde assistia às primeiras videoaulas do Gran.

Alexandre no hospital enquanto se recuperava de uma séria lesão cerebral.
Recomeço previsto em edital
Enquanto reaprendia a andar com o auxílio de barras paralelas, Alexandre descobriu que concursos públicos reservam vagas específicas — com notas de corte mais baixas — para pessoas com deficiência. Era tudo de que precisava: estabilidade, dignidade e, principalmente, uma régua imparcial. Não importava ter 25 ou 50 anos, ser homem ou mulher, estar em plena forma física ou não; bastava acertar questões e preencher os requisitos para o cargo.
Janeiro de 2019 tornou-se um marco inaugural. Alexandre viajou com a família, voltou, recusou propostas de trabalho temporário e decidiu que cada hora, dali em diante, seria dedicada aos estudos. O primeiro alvo foi a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF). O novo concurseiro montou trincheira no quarto: café, tablet e assinatura do Gran. Para se assegurar de que o esforço fazia sentido, contratou um coach, nosso professor Glauber Marinho, que refinou cronogramas, sugeriu provas-treino, ensinou a medir rendimento como se medem os batimentos cardíacos na esteira. Em dois meses, Alexandre já transitava com naturalidade pelos artigos de processo civil que, antes, lhe pareciam escritos em outro idioma.
Não passou. O laudo médico continha o CID da doença, não da sequela, e a junta do Cebraspe o desclassificou. Processo, mandado de segurança, espera infinita, frustração. E, com ela, a epifania: se chegara tão perto, apesar da pouca experiência, por que não insistir? Ao abrir outros editais, percebeu a explosão de oportunidades na área de Tecnologia da Informação. Ficou empolgado com os salários, bem maiores que os dos cargos de técnico — mas o melhor, mesmo, era o conteúdo das provas: poucas disciplinas jurídicas, muita lógica. Enfim, uma praia em que se sentia totalmente à vontade.

Alexandre precisou reaprender a andar e a recomeçar na academia com pesos leves. Foram anos de fisioterapia e treinamento específico.
Segunda graduação, primeira virada
Faltava-lhe, no entanto, um requisito formal, pois os concursos exigiam formação específica em TI. O mentor sugeriu: “Faça uma graduação curta.” Alexandre não perdeu tempo e matriculou-se já no dia seguinte. Concluiu todas as matérias do semestre em apenas um mês e, sem freio, engatou também uma pós-graduação.
Paralelamente, continuava fazendo provas: Petrobras, Fundação Universidade de Brasília, Telebras, Conselhos Federais de Odontologia e Fonoaudiologia, Secretaria de Educação (por nostalgia, disse). Prestou oito concursos quase em sequência e começou a colecionar aprovações. Apesar de ainda depender do diploma para tomar posse em alguns casos, já figurava entre os primeiros colocados — inclusive na ampla concorrência — em vários.
Cada reprovação era lida sob o “mantra do campeão” aprendido no esporte, sua escola de resiliência: “Use a adversidade a seu favor.” Quando perdeu o Tribunal de Justiça do DF por meio ponto na discursiva, não enxergou derrota, mas confirmação: “Se com um ano de estudo fiquei por um triz, estou no caminho certo.”
Burocracia e paciência
O percurso nunca foi linear. Em diferentes bancas, Alexandre voltou a enfrentar juntas médicas confusas, que ora negavam sua deficiência (“suas limitações não comprometem funções”), ora o declaravam incapaz para o trabalho. Um nó burocrático que ainda arrasta processos na justiça. Curiosamente, o imbróglio acabou se mostrando uma bênção disfarçada: se tivesse sido nomeado lá atrás, logo na primeira convocação da PGDF, provavelmente não teria feito a segunda graduação, muito menos passado nos concursos seguintes.
Hoje, aos 51 anos, ele já soma 21 aprovações. A lista inclui Banco do Brasil Tecnologia e Serviços, CNMP, TCDF, Ibram e STN, além de quatro cargos no CNU. Atualmente, é Auditor Fiscal de Atividades Urbanas no GDF, na área ambiental. Nesse intervalo, tornou-se também referência entre colegas concurseiros, especialmente para quem carrega duas etiquetas tidas como barreiras: idade e deficiência.
“Eu viro oportunidade ambulante”, brinca, referindo-se à rede de gentilezas que sua condição desencadeia — gente que oferece o braço na escada, que carrega seu material, que aprende na prática a lidar com inclusão.

Alexandre exibe com orgulho o distintivo que conquistou com muito trabalho. Hoje é nada menos que Auditor do GDF.
Conselho de quem reaprendeu a andar
Quando lhe perguntam qual foi a “fórmula mágica”, abre um sorriso. “Concurso só exige uma coisa: não desistir.”, diz, certeiro. Em seguida, abre seu gráfico de desempenho, que não deixa dúvidas: a curva sobe devagar, mas nunca desce.
Dias difíceis são inevitáveis; a diferença está no que se faz neles. Alexandre fazia resumos com a mão direita enquanto a esquerda reaprendia a segurar um garfo. Gravava podcasts mentais repetindo normas de acessibilidade enquanto caminhava pelo corredor, arrastando o pé que não flexionava bem.
“Tragédia, às vezes, é só oportunidade com outro nome”, resume. Se a lesão tivesse sido fatal, não haveria fase dois. Como não foi, abriu caminho para o universo dos sistemas de informática, dos editais e das nomeações.
Logo ele, que ensinou Biologia por décadas, virou prova viva de que organismos se adaptam — e evoluem — quando o ambiente exige.
Desde aquele Brasil x Bélgica, Alexandre carrega uma certeza: às vezes, o apito final anuncia uma derrota; outras, chama para o início da prorrogação que terminará com o placar virado.
Fonte: Gran Cursos Online