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Informativo nº 791 do STJ COMENTADO saindo do forno (quentinho) para quem está ligado aqui conosco no Estratégia Carreiras Jurídicas!

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RECURSO ESPECIAL

O tratamento conforme o protocolo Pediasuit configura-se como uma forma de assistência ambulatorial, não se caracterizando como prática abusiva a cobrança de coparticipação pelo plano de saúde, desde que tal cobrança esteja prevista no contrato.

REsp 2.001.108-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023. (Info 791)

1.1.  Situação FÁTICA.

Creide, mãe de Creitinha (criança com paralisia cerebral), ajuizou ação revisional em face da operadora do Plano de Saúde Pagonada alegando a abusividade da cobrança a título de coparticipação pelo tratamento Pediasuit.

O protocolo Pediasuit, é, em geral, aplicado em sessões conduzidas por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e/ou fonoaudiólogos, dentro das respectivas áreas de atuação, sem a necessidade de internação ou mesmo da utilização de estrutura hospitalar, enquadrando-se, a despeito de sua complexidade, no conceito de atendimento ambulatorial estabelecido pela ANS.

Por sua vez, o plano de saúde sustenta que não haveria qualquer abusividade ou ilegalidade em incidir coparticipação na terapia na modalidade Protocolo Pediasuit, por trata-se de procedimento ambulatorial, não justificando que a operadora custeie ilimitadamente as sessões sem se quer haver uma contraprestação, colocando em risco o equilíbrio financeiro.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.656/1998:

Art. 16.  Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:

VIII – a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica;

1.2.2.     Abusiva a cobrança?

R: Não se estiver prevista em contrato!!!

A coparticipação, segundo o art. 16, VIII, da Lei n. 9.656/1998, deve estar prevista no contrato. No caso, o Tribunal de origem registrou que as partes possuem contrato empresarial na modalidade coparticipação e que o contrato prevê a cobrança de coparticipação somente para os procedimentos de consulta, exames de rotina, exames especializados, atendimento ambulatorial e internação.

Diante disso, passou-se a discutir se o tratamento com o protocolo Pediasuit se enquadra na hipótese de atendimento ambulatorial, a autorizar a cobrança da coparticipação prevista no contrato.

O protocolo Pediasuit, é, em geral, aplicado em sessões conduzidas por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e/ou fonoaudiólogos, dentro das respectivas áreas de atuação, sem a necessidade de internação ou mesmo da utilização de estrutura hospitalar, enquadrando-se, a despeito de sua complexidade, no conceito de atendimento ambulatorial, para os fins de direito.

Assim, o tratamento com o protocolo Pediasuit pode ser objeto de cláusula contratual de coparticipação.

O fato de o procedimento específico não estar incluído no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não impede a cobrança da coparticipação correspondente estabelecida em contrato. A uma, porque essa contraprestação está vinculada à prévia cobertura pela operadora; a duas, porque o rol não é estático, mas está em constante e permanente atualização.

É dizer, se a operadora atende à necessidade do beneficiário ao custear o procedimento ou evento, ainda que não listado no rol da ANS, opera-se o fato gerador da obrigação de pagar a coparticipação, desde que, evidentemente, haja clara previsão contratual sobre a existência do fator moderador e sobre as condições para sua utilização, e que, concretamente, sua incidência não revele uma prática abusiva.

E para que a coparticipação não caracterize o financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou se torne fator restritor severo de acesso aos serviços, é possível aplicar, por analogia, o disposto no art. 19, II, “b”, da RN-ANS 465/2022, para limitar a cobrança “ao máximo de cinquenta por cento do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde”. (AgInt no REsp 1.870.789/SP, Terceira Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021).

No que tange à exposição financeira do titular, mês a mês, é razoável fixar como parâmetro, para a cobrança da coparticipação, o valor equivalente à mensalidade paga, de modo que o desembolso mensal realizado por força do mecanismo financeiro de regulação não seja maior que o da contraprestação paga pelo beneficiário. Assim, quando a coparticipação devida for superior ao valor de uma mensalidade, o excedente deverá ser dividido em parcelas mensais, cujo valor máximo se limita ao daquela contraprestação, até que se atinja o valor total.

1.2.3.     Resultado final.

O tratamento conforme o protocolo Pediasuit configura-se como uma forma de assistência ambulatorial, não se caracterizando como prática abusiva a cobrança de coparticipação pelo plano de saúde, desde que tal cobrança esteja prevista no contrato.

RECURSO ESPECIAL

A instituição financeira responde pelo defeito na prestação de serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.

REsp 2.077.278-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023. (Info 791)

2.1.  Situação FÁTICA.

Crementina, idosa, foi vítima de um gorpe (golpe para os mais refinados): terceiros entraram em contato alegando serem funcionários da instituição financeira e negociaram parcelas atrasadas de um financiamento. Enviaram boleto para pagamento. Porém, o dinheiro não foi recebido pelo banco e sim pelos golpistas (malandro é o gato!).

Inconformada, Crementina ajuizou ação em face da IF. Sustenta a responsabilidade dessa no vazamento dos dados que possibilitaram o golpe. Por sua vez, o Banco VB sustenta que não houve falha de prestação de serviços.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.     Questão JURÍDICA.

CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

LGPD:

Art. 43. Os agentes de tratamento só não serão responsabilizados quando provarem:

I – que não realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído;

II – que, embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à legislação de proteção de dados; ou

III – que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.

2.2.2.     A IF é responsável?

R: Yeap!!!!

Nos termos do art. 14, § 1°, do CDC (Código de Defesa do Consumidor), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se conjecturam, e a época em que foi fornecido.

A prestação do serviço de qualidade pelos fornecedores abrange o dever de segurança, que, por sua vez, engloba tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial. Consabidamente, o CDC é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo.

No entendimento do Tema Repetitivo n. 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula n. 479/STJ, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp n. 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011).

Especificamente nos casos de golpes de engenharia social, não se pode olvidar que os criminosos são conhecedores de dados pessoais das vítimas, valendo-se dessas informações para convencê-las, por meio de técnicas psicológicas de persuasão – como a semelhança com o atendimento bancário verdadeiro -, a fim de atingir seu objetivo ilícito.

Todavia, para sustentar o nexo causal entre a atuação dos estelionatários e o vazamento de dados pessoais pelo responsável por seu tratamento é imprescindível perquirir, com exatidão, quais dados estavam em poder dos criminosos, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, consequentemente, a responsabilidade dos agentes respectivos.

Assim, para se imputar a responsabilidade às instituições financeiras, no que tange ao vazamento de dados pessoais que culminaram na facilitação de estelionato, deve-se garantir que a origem do indevido tratamento seja o sistema bancário. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada. Isso porque os dados sobre operações financeiras são, em regra, presumivelmente de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras.

Portanto, dados pessoais vinculados a operações e serviços bancários são sigilosos e cujo tratamento com segurança é dever das instituições financeiras. Desse modo, seu armazenamento de maneira inadequada, a possibilitar que terceiros tenham conhecimento dessas informações e causem prejuízos ao consumidor, configura falha na prestação do serviço (art. 14 do CDC e 43 da LGPD).

2.2.3.     Resultado final.

A instituição financeira responde pelo defeito na prestação de serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

No contrato de comodato por prazo indeterminado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, é devida a sua restituição, pelo comodatário, bastando para tanto a sua notificação.

AgInt no REsp 1.641.241-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 7/2/2023, DJe 3/7/2023. (Info 791)

3.1.  Situação FÁTICA.

Tadeu, dono de imóvel, o emprestou (comodato) por tempo indeterminado para que a empresa JML o utilizasse em aumento de seu parque industrial de exploração de jazida aquífera. Passado algum tempo, Tadeu recebeu uma proposta pelo imóvel. Interessado, comunicou JML para que essa deixasse o imóvel ou então começasse a pagar aluguéis.

JML então se opôs ao pedido e sustenta que a denúncia do contrato de comodato deve se dar mediante notificação premonitória, seja em se tratando de contrato com prazo certo, seja em se tratando de contrato com prazo indeterminado, devendo-se analisar o que se considera tempo razoável de utilização do bem, evitando-se o abuso de direito da parte.

Caso hipotético.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

3.2.2.     Basta a notificação?

R: Yeap!!!!

Trata-se de pedido de extinção de comodato por prazo indeterminado de imóvel cedido pelos autores à pessoa jurídica para aumento de seu parque industrial de exploração de jazida aquífera.

O art. 581 do Código Civil estabelece o comodato sem prazo definido, hipótese na qual “presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido“. Com efeito, o comodato é uma liberalidade. A interpretação do dispositivo legal tem de partir dessa premissa, de que se trata de uma liberalidade e um contrato temporário, sob pena de virar doação.

No caso, a empresa está utilizando o bem objeto do comodato. Pode-se discutir se bastaria usar para depósito de material ou se seria para extração de água, mas, mesmo que fosse para exploração aquífera, qualquer que seja a finalidade, como se trata de comodato por prazo indeterminado, transcorrido prazo suficiente, o comodante possui o direito de pedir de volta o imóvel.

Não é necessário que o bem não se preste mais a uso algum para o comodatário para que seja extinto o comodato.

A discussão não deve ser se ainda é possível ou não a utilização do bem pela comandatária.

A questão é que houve uma notificação extrajudicial para extinção do comodato, na linha da jurisprudência citada pelo eminente relator: não tendo prazo determinado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, pelo comodatário, conforme sua destinação, basta a notificação, concedendo um prazo razoável para a restituição da coisa (REsp 1.327.627/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 1/12/2016).

Dessa forma, o direito potestativo de rescindir o contrato é do proprietário do bem, que, por ato de liberalidade, faz o comodato e pode, sem declinar nenhuma razão, realizar a denúncia vazia do comodato, requerendo a coisa de volta, desde que esta tenha ficado por um prazo razoável à disposição do comodatário.

3.2.3.     Resultado final.

No contrato de comodato por prazo indeterminado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, é devida a sua restituição, pelo comodatário, bastando para tanto a sua notificação.

RECURSO ESPECIAL

É válida a disposição testamentária que institui filha co-herdeira como curadora especial dos bens deixados à irmã incapaz, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança, ainda que esta se encontre sob o poder familiar ou tutela.

REsp 2.069.181-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/10/2023. (Info 791)

4.1.  Situação FÁTICA.

Creosvalda faleceu e em seu testamento deixou sua filha Gertrude como administradora dos bens da sua outra filha, ainda incapaz, Germa, na condição de curadora especial.

O representante da herdeira menor apresentou oposição às disposições não patrimoniais contidas no testamento referentes à guarda da filha e à nomeação da irmã, Creosvalda, como curadora especial para administração dos bens disponíveis da criança. O juízo proferiu decisão acolhendo a promoção ministerial para o fim de reduzir e tornar sem efeito a disposição de última vontade em questão.

Inconformada, Gertrude interpôs recurso no qual sustenta a necessidade de se observar o princípio da soberania da vontade da testadora, que a instituiu como curadora especial do patrimônio relativo à parcela disponível destinada à filha ainda absolutamente incapaz.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código Civil:

Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tutor.

§ 2 Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela.

4.2.2.     Válida a disposição testamentária?

R: Seja feita a última vontade!!!

A controvérsia reside na validade de cláusula testamentária, em que prevista a instituição de filha maior como curadora especial de sua irmã co-herdeira incapaz relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança instituída pela genitora comum conforme o parágrafo 2º do artigo 1.733 do Código Civil, o qual permite que quem institui um menor herdeiro ou legatário nomeie um curador especial para os bens deixados, mesmo que o beneficiário esteja sob poder familiar ou tutela.

Na origem, as instâncias ordinárias declararam ineficaz a disposição testamentária em que a autora da herança nomeara a sua filha maior como curadora especial, sob o fundamento principal de que a faculdade prevista no artigo 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil não se aplica aos casos em que os herdeiros necessários também são os únicos beneficiários da parte disponível, pois, assim, não haveria justa causa e operabilidade na restrição imposta.

Assim delimitado o contexto, o testamento consubstancia expressão da autonomia privada, inclusive em termos de planejamento sucessório – ainda que limitada pelas regras afetas à sucessão legítima -, e tem por escopo justamente a preservação da vontade daquele que, em vida, concebeu o modo de disposição de seu patrimônio para momento posterior à sua morte, o que inclui a própria administração/gestão dos bens deixados.

A instituição de curador para o patrimônio não exclui ou obsta o exercício do poder familiar pelo genitor sobrevivente ou a tutela, porquanto compete àquele tão-somente gerir os bens deixados sob a referida condição, em estrita observância à vontade do autor da herança, sem descurar dos interesses da criança ou adolescente beneficiário.

A circunstância de a descendente, ainda criança, manter a posição de herdeira legítima e testamentária, simultaneamente, não conduz ao afastamento da disposição relacionada à instituição de curadora especial para administrar os bens integrantes da parcela disponível da testadora, expressamente prevista em lei, sem que haja qualquer necessidade de aferir a inidoneidade do detentor do poder familiar ou tutor.

4.2.3.     Resultado final.

É válida a disposição testamentária que institui filha co-herdeira como curadora especial dos bens deixados à irmã incapaz, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança, ainda que esta se encontre sob o poder familiar ou tutela.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade.

AgInt no AREsp 2.174.427-RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 18/9/2023, DJe 20/9/2023. (Info 791)

5.1.  Situação FÁTICA.

Em uma execução fiscal movida pela União em face de Jaiminho, Crementino ajuizou embargos de terceiro para afastar a penhora realizada sobre seu imóvel, sob o argumento da impenhorabilidade do bem de família.

Por sua vez, a Fazenda sustenta que o devedor alienou o imóvel em questão, o que retiraria a proteção da impenhorabilidade.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.     Permanece a impenhorabilidade?

R: Aparentemente, SIM!!!

As Turmas integrantes da Primeira Seção firmaram a tese segundo a qual, mesmo que o devedor aliene imóvel que sirva de residência sua e de sua família, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade, porque o imóvel em questão seria imune aos efeitos da execução, não havendo falar em fraude à execução na espécie.

Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL. MANUTENÇÃO DA CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE. 1. Mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade porque imune aos efeitos da execução; caso reconhecida a invalidade do negócio, o imóvel voltaria à esfera patrimonial do devedor ainda como bem de família. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1.719.551/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/5/2019, DJe 30/5/2019).

5.2.2.     Resultado final.

Mesmo quando o devedor aliena o imóvel que lhe sirva de residência, deve ser mantida a cláusula de impenhorabilidade.

RECURSO ESPECIAL

A interpretação adotada pela Receita Federal do Brasil por meio da Instrução Normativa SRF n. 243/2002 não viola o art. 18 da Lei n. 9.430/1996.

REsp 1.787.614-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 2/10/2023. (Info 791)

6.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de Recurso especial em que o contribuinte sustenta que a IN SRF 243/2002 violaria o art. 18 da Lei 9.430/1996. A empresa Mell impetrou mandado de segurança com a finalidade de ver assegurado o direito à apuração dos preços de transferência pelo método PRL segundo os critérios estabelecidos pelo art. 18 da Lei n. 9.430/1996, afastando-se aqueles constantes na Instrução Normativa SRF n. 243/2002.

Já a Fazenda Nacional defende o ato, uma vez que os preços de transferência nada mais seriam do que instrumento de redução de despesas tributárias de grupos multinacionais ou partes ligadas.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei n. 9.430/1996:

Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:  

II – Método do Preço de Revenda menos Lucro – PRL: definido como a média aritmética ponderada dos preços de venda, no País, dos bens, direitos ou serviços importados, em condições de pagamento semelhantes e calculados conforme a metodologia a seguir:   

a) preço líquido de venda: a média aritmética ponderada dos preços de venda do bem, direito ou serviço produzido, diminuídos dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições sobre as vendas e das comissões e corretagens pagas;                         

b) percentual de participação dos bens, direitos ou serviços importados no custo total do bem, direito ou serviço vendido: a relação percentual entre o custo médio ponderado do bem, direito ou serviço importado e o custo total médio ponderado do bem, direito ou serviço vendido, calculado em conformidade com a planilha de custos da empresa;                          

c) participação dos bens, direitos ou serviços importados no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido: aplicação do percentual de participação do bem, direito ou serviço importado no custo total, apurada conforme a alínea b, sobre o preço líquido de venda calculado de acordo com a alínea a;                          

d) margem de lucro: a aplicação dos percentuais previstos no § 12, conforme setor econômico da pessoa jurídica sujeita ao controle de preços de transferência, sobre a participação do bem, direito ou serviço importado no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido, calculado de acordo com a alínea c; e                        

e) preço parâmetro: a diferença entre o valor da participação do bem, direito ou serviço importado no preço de venda do bem, direito ou serviço vendido, calculado conforme a alínea c; e a “margem de lucro”, calculada de acordo com a alínea d; e  

CTN:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.

 Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

 I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

6.2.2.     Tudo certo, Arnaldo?

R: Segue o jogo!!!!

Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado com a finalidade de ver assegurado o direito à apuração dos preços de transferência pelo método PRL segundo os critérios estabelecidos pelo art. 18 da Lei n. 9.430/1996, afastando-se aqueles constantes na Instrução Normativa SRF n. 243/2002.

O objetivo principal da metodologia dos preços de transferência é assegurar ao Estado que os fatos geradores de obrigações tributárias não escapem do seu poder tributante por força da alocação de lucros promovida por contribuintes dotados de projeções empresariais internacionais. Trata-se de um instrumento de combate à erosão das bases tributáveis decorrente da transferência de valores para outras jurisdições, sobre a qual a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE vem se dedicando por meio do Plano de Ação sobre BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Em termos práticos, a sistemática está baseada na comparação entre uma operação em condições normais de mercado e a operação entre partes vinculadas, determinando-se o valor envolvido na operação a partir do que usualmente acontece em situações desprovidas de vinculação (preço parâmetro). É dizer, os Estados adotam tal sistemática para que se descubra ou se confirme o real preço do bem importado, evitando assim a indevida exportação de lucros.

No Brasil, a metodologia dos preços de transferência foi instituída pela Lei n. 9.430/1996, norma que compreende o conceito de partes relacionadas e elenca os métodos estabelecidos, dentre eles o PRL, objeto de discussão no presente caso. Sob a redação da Lei n. 9.430/1996 vigente à época da propositura do mandado de segurança, o PRL foi um método de margens predeterminadas mediante a imposição de um coeficiente presumido de lucro, com o qual o contribuinte concordava ao optar pela aplicação em suas operações com partes relacionadas.

A interpretação adotada pela Receita Federal do Brasil por meio da Instrução Normativa SRF n. 243/2002, referendada pelo Tribunal de origem, não viola o art. 18 da Lei n. 9.430/1996, tampouco os demais dispositivos legais indicados. Trata-se de interpretação lógica, com base na ratio legis, ou seja, na finalidade da norma instituída. A função de uma instrução normativa não é a mera repetição do texto da lei, mas a sua regulamentação, esclarecendo a sua função prática.

A Instrução Normativa SRF n. 243/2002 teve por finalidade apenas consubstanciar a correta interpretação que se deve fazer no que diz respeito à metodologia prevista pelo art. 18 da Lei n. 9.430/1996, em observância ao art. 100, I, do CTN, sem que houvesse indevida majoração do tributo. A forma de cálculo prevista em lei e pormenorizada pelo art. 12 da Instrução Normativa SRF n. 243/2002 atende à finalidade consagrada pela sistemática do preço de transferência, sendo a interpretação defendida pela recorrente verdadeira causa de desrespeito aos arts. 43 e 97 do CTN, ao pretender a redução de sua carga tributária mediante a dedução indevida de valores.

O advento da Lei n. 12.715/2012 com o intuito de incluir as previsões da Instrução Normativa SRF n. 243/2002 ao texto da Lei n. 9.430/1996 não deveria ser encarado como reconhecimento pelo Fisco de que a norma infralegal extrapolou a previsão legal. Não obstante o correto posicionamento da Receita Federal do Brasil, tal como exposto no presente voto, é no mínimo adequada a alteração da norma para estancar as inúmeras batalhas na seara administrativa e judicial, como medida de redução de danos fiscais e de custos com o contencioso tributário.

6.2.3.     Resultado final.

A interpretação adotada pela Receita Federal do Brasil por meio da Instrução Normativa SRF n. 243/2002 não viola o art. 18 da Lei n. 9.430/1996.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

É possível a unificação das penas de reclusão e de detenção, na fase de execução penal, para fim de fixação do regime prisional inicial.

AgRg no REsp 2.053.887-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/5/2023, DJe 18/5/2023. (Info 791)

7.1.  Situação FÁTICA.

O MP requereu a unificação das penas de reclusão e de detenção de Creiton, na fase de execução penal, para fim de fixação do regime prisional inicial. Inconformada, a defesa se opôs ao pedido, por entender que este não seria possível devendo a mais grave, ser executada primeiramente, até que haja a progressão para regime compatível com a execução da pena menos grave, de detenção.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Questão JURÍDICA.

Lei de Execução Penal – LEP:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime.

7.2.2.     Unifica ou desce escadinha?

R: Junta tudo e deu!!!

A controvérsia cinge-se em analisar a possibilidade de soma das penas de reclusão e de detenção, na fase de execução penal, para fim de fixação do regime prisional.

A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de ser cabível a soma de tais penas, pois são reprimendas da mesma espécie (privativas de liberdade), nos termos do art. 111 da Lei de Execução Penal – LEP: “A teor do art. 111 da Lei n. 7.210/1984, na unificação das penas, devem ser consideradas cumulativamente tanto as reprimendas de reclusão quanto as de detenção para efeito de fixação do regime prisional, porquanto constituem penas de mesma espécie, ou seja, ambas são penas privativas de liberdade” (AgRg no HC n. 473.459/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 01/03/2019). Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça; (AgRg no REsp n. 2.007.173/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 22/2/2023).

Portanto, mostra-se equivocado o raciocínio de que, caso sejam estabelecidos regimes diversos para o cumprimento das reprimendas, a execução da pena de detenção deve ser suspensa até que o apenado esteja em regime prisional compatível com essa espécie de sanção penal.

7.2.3.     Resultado final.

É possível a unificação das penas de reclusão e de detenção, na fase de execução penal, para fim de fixação do regime prisional inicial.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

Só há nulidade pela falta de cientificação do acusado sobre o seu direito de permanecer em silêncio, em fase de inquérito policial, caso demonstrado o efetivo prejuízo.

AgRg no HC 798.225-RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 12/6/2023, DJe 16/6/2023. (Info 791)

8.1.  Situação FÁTICA.

A defesa de Creitinho, apenado, impetrou HC no qual sustenta a existência de nulidade na fase de inquérito policial, decorrente da ausência de cientificação do direito de permanecer em silêncio.

Ressalta que a nulidade trouxe prejuízo ao rapaz, na medida em que com base no depoimento de Creitinho, colhido sem as garantias que lhe eram devidas, ocorreu tanto a decretação da prisão preventiva, quanto o recebimento da denúncia.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Questão JURÍDICA.

CPP:

Art. 563.  Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.

8.2.2.     Deve ser demonstrado efetivo prejuízo?

R: É por aí!!!!

A controvérsia cinge-se em verificar a ocorrência de nulidade, consistente na ausência de cientificação do investigado do seu direito de permanecer em silêncio, em fase de inquérito policial.

É cediço que o reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief).

Dessarte, a declaração de nulidade fica subordinada não apenas à alegação de existência de prejuízo, mas à efetiva demonstração de sua ocorrência, o que não ocorre nas hipóteses em que corréu nega veementemente a autoria do crime.

Segundo jurisprudência do STJ: “Convém lembrar, ainda, que o reconhecimento de nulidade, relativa ou absoluta, no curso do processo penal, segundo entendimento pacífico desta Corte Superior, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Precedentes. (AgRg no HC 738.493/AL, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 24/10/2022).

Demais disso, convém registrar que a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que eventuais máculas na fase extrajudicial não tem o condão de contaminar a ação penal, dada a natureza meramente informativa do inquérito policial (RHC 119.097/MG, Rel. Ministro Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 11/2/2020, DJe 19/2/2020 e AgRg no AREsp 1.392.381/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/11/2019, DJe 22/11/2019).

8.2.3.     Resultado final.

Só há nulidade pela falta de cientificação do acusado sobre o seu direito de permanecer em silêncio, em fase de inquérito policial, caso demonstrado o efetivo prejuízo.

RECURSO ESPECIAL

Para a decisão de pronúncia, exige-se elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado, não se aplicando o princípio in dubio pro societate.

REsp 2.091.647-DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 26/9/2023, DJe 3/10/2023. (Info 791)

9.1.  Situação FÁTICA.

Após a decisão de pronúncia de Craudião, a defesa desse sustenta em recurso a inexistência de prova judicializada apta a caracterizar indícios do envolvimento do rapaz no delito que lhe foi imputado na denúncia. Alega a existência de um estado de dúvida razoável, que, mesmo na primeira fase do procedimento escalonado do Tribunal do Júri, deveria beneficiar o réu e determinar a impronúncia.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.     Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 413.  O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.           

§ 1o  A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.           

§ 2o  Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória.           

§ 3o  O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. 

9.2.2.     Necessária alta probabilidade da autoria?

R: Com certeza!!!

A pronúncia consubstancia um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar “convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação” (art. 413, caput, do Código de Processo Penal). O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae).

A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina, acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência, a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual.

Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate, que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro, e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia.

Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais devem seguir uma tendência geral ascendente/progressiva e representam, segundo a doutrina, “regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão”.

Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos quanto falsos negativos.

Quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro.

Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado, que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri.

Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria, a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa, da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia.

Também na pronúncia, ainda que com contornos em certa medida distintos, tem aplicação o in dubio pro reo, pois, segundo a doutrina, “submeter a julgamento popular um acusado, mesmo quando há dúvidas da existência do crime ou de indícios suficientes de crimes, constitui uma temeridade. Isso porque não apenas se viola flagrantemente os direitos e as garantias constitucionais, como também porque aumenta a possibilidade de erros judiciais, tendo em vista que a condenação do acusado poderá ocorrer mesmo se os parâmetros probatórios necessários para a condenação não sejam atingidos”.

À luz da efetividade e da utilidade do processo, é preciso, como regra, que toda decisão que implique o prosseguimento do feito em desfavor do imputado, com início de nova etapa processual, realize dois juízos: um diagnóstico (retrospectivo) sobre a suficiência do que se produziu até aquele momento; outro prognóstico sobre o que se projeta para a próxima etapa, a fim de verificar se será viável superá-la.

Na pronúncia, esse juízo prognóstico sobre a etapa vindoura (julgamento em plenário e condenação) seria ainda mais importante em virtude da ausência de fundamentação da decisão dos jurados; ou seja, considerando que, na etapa final do procedimento dos crimes dolosos contra a vida, o veredito é imotivado, adquire especial relevo o juízo prognóstico sobre a viabilidade da condenação. Isso esbarra, porém, em dois obstáculos impostos ao juiz togado: a) a impossibilidade de usurpar a competência constitucional dos jurados para o judicium causae e b) a necessidade de fundamentar de forma sucinta a decisão, sob pena de incorrer em excesso de linguagem, a teor do art. 413, § 1º, do CPP e influenciar negativamente os jurados contra o réu.

Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e à participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva), típico do recebimento da denúncia, e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente), necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado.

A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa.

9.2.3.     Resultado final.

Para a decisão de pronúncia, exige-se elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado, não se aplicando o princípio in dubio pro societate.

HABEAS CORPUS

Cabe à Defesa Técnica a análise de conveniência e oportunidade a respeito de eventual recurso, no caso de conflito de vontades entre o acusado e o defensor.

HC 839.602-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023. (Info 791)

10.1.                   Situação FÁTICA.

Crementino foi condenado em uma ação penal. Sua defesa constituída impetrou HC sustentando que o rapaz, à época assistido pela Defensoria Pública, havia manifestado interesse recursal. Contudo, a Defensoria não teria ido às últimas instâncias, por ter deixado de interpor agravo em recurso especial. Para a nova defesa, isso teria ferido o direito de Crementino à AMPLA defesa e gerado nulidade absoluta.

10.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 574.  Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz:

I – da sentença que conceder habeas corpus;

II – da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411.

10.2.2. A quem cabe a análise da viabilidade recursal?

R: Defesa TÉCNICA!!!!

A controvérsia consiste em definir se o prazo para interposição de agravo em recurso especial, que já transcorreu in albis, deve ser reaberto mesmo que o assistido tenha solicitado requerimento para defensoria pública apresentar agravo em recurso especial.

De início, destaca-se que a não interposição de recursos extraordinários (ou os respectivos agravos) pela defesa técnica sequer evidencia desídia, pois, com lastro no princípio da voluntariedade dos recursos, previsto no art. 574, caput, do Código de Processo Penal, a ela cabe a análise da conveniência e oportunidade a respeito de eventual interposição dos recursos extraordinários.

Segundo o STF: “Não há ilegalidade evidente ou teratologia a justificar a excepcionalíssima concessão de habeas corpus de ofício na hipótese de mera ausência de interposição de recursos excepcionais, ante o princípio da voluntariedade dos recursos“. Precedentes: HC 105.308, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 16/10/2014; HC 110.592, Rel. Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 22/6/2012.

No âmbito do STJ, o entendimento é no sentido de que ante o princípio da voluntariedade recursal, cabe à defesa analisar a conveniência e oportunidade na interposição dos recursos, não havendo falar em deficiência de defesa técnica pela ausência de interposição de insurgência contra a decisão que inadmitiu os recursos extraordinários anteriormente interpostos” (HC 174.724/AC, Rel. Ministra Marilza Maynard -Desembargadora Convocada do TJ/SE , Sexta Turma, julgado em 13/5/2014, DJe 23/5/2014).

Ademais, “o conflito de vontades entre o acusado e o defensor, quanto à interposição de recurso, resolve-se, de modo geral, em favor da defesa técnica, seja porque tem melhores condições de decidir da conveniência ou não de sua apresentação, seja como forma mais apropriada de garantir o exercício da ampla defesa” (RE 188.703/SC, Rel. Ministro Francisco Rezek, Segunda Turma, julgado em 4/8/1995, DJ 13/10/1995).

10.2.3. Resultado final.

Cabe à Defesa Técnica a análise de conveniência e oportunidade a respeito de eventual recurso, no caso de conflito de vontades entre o acusado e o defensor.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

A Defensoria Pública pode ser intimada, de ofício, pelo Juízo para prestar assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, nos procedimentos de escuta especializada, sem que isso represente sobreposição inconstitucional às funções do Ministério Público.

RMS 70.679-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 26/9/2023. (Info 791)

11.1.                   Situação FÁTICA.

O MP impetrou mandado de segurança contra a decisão do Juiz da vara especializada em crimes cometidos contra menores e adolescentes. De acordo com o MP, o juiz teria passado a intimar de ofício membros da Defensoria Pública para assistir as vítimas nos procedimentos de escuta especializada, conduta que representaria sobreposição às funções do Parquet.            

11.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei Complementar n. 80/94:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:

XVIII – atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas.

ECA:

Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:

V – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional;

VI – integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social, para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; 

 Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.

§ 1º. A assistência judiciária gratuita será prestada aos que dela necessitarem, através de defensor público ou advogado nomeado.

§ 2º As ações judiciais da competência da Justiça da Infância e da Juventude são isentas de custas e emolumentos, ressalvada a hipótese de litigância de má-fé.

Lei n. 11.340/2003:

Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

11.2.2. É isso mesmo, seu juiz?

R: Tudo certo!!!!

Cinge-se a controvérsia a definir se a atuação da Defensoria Pública na assistência às crianças vítimas de violência representa sobreposição inconstitucional às funções desempenhadas pelo Ministério Público.

A atuação do Parquet como substituto processual da vítima na ação penal pública não se confunde com a atuação da Defensoria Pública no acompanhamento e na orientação jurídica de crianças e adolescentes em situação de violência nem pode suplantá-la. Tal atividade não constitui, por si só, desempenho do múnus de curadoria especial ou de assistência à acusação, mas atividade jurídica própria, na condição de “custos vulnerabilis“, que é o núcleo da atual identidade constitucional da Defensoria Pública.

A Lei Complementar n. 80/94 expressamente atribui às defensoras e aos defensores públicos a função de defender os interesses individuais e coletivos das crianças e adolescentes. Especificamente quando estas crianças e adolescentes são vítimas de abusos, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, o inciso XVIII do art. 4.º da Lei Complementar n. 80/94 determina que a Defensoria Pública deve atuar na preservação e reparação dos seus direitos, propiciando acompanhamento e atendimento interdisciplinar.

A necessidade de atuação da Defensoria Pública no atendimento integral às crianças e aos adolescentes vítimas de violência tornou-se ainda mais evidente com o advento da Lei n. 13.431/2017, que determinou uma série de medidas que devem ser adotadas pelo Estado nessas situações, como o acesso da criança e do adolescente à assistência jurídica qualificada, a qual está no âmbito de atuação da Defensoria Pública.

A conduta de intimar defensores públicos para comparecer aos atos de escuta especializada em favor das vítimas de violência, bem como a postura colaborativa dos defensores, que comparecem aos atos processuais e reúnem informações para propiciar a integral assistência jurídica a este grupo vulnerável concretizam a integração operacional entre os órgãos do sistema justiça e asseguram o acesso aos serviços da Defensoria Pública, nos termos dos arts. 88, incisos V e VI, e 141, do ECA.

A integração operacional entre os órgãos do sistema de justiça tem como um de seus objetivos evitar que a ineficiência de qualquer um desses órgãos comprometa o atendimento célere e diligente que deve ser dispensado às crianças e adolescentes vítimas de violência. Através da colaboração mútua, eventuais falhas de uma instituição podem ser supridas pela atuação de outra, guiando-se sempre pela premissa de que deve ser resguardado, com absoluta prioridade, o melhor interesse da criança.

Não é eficiente impor ao Juízo de origem que somente intime defensores públicos para comparecer aos atos quando houver pedido prévio e expresso da vítima. A intimação de ofício proporciona melhores condições de acesso à assistência jurídica integral ofertada pelos defensores públicos, que terão a oportunidade de esclarecer de forma mais efetiva à vítima as atribuições da Defensoria Pública e os serviços colocados à sua disposição. De outra parte, a presença da Defensoria Pública proporciona maior celeridade na adoção de medidas de proteção, o que está em linha com o dever de se conferir absoluta prioridade à defesa das crianças e adolescentes (art. 227, caput, da CF).

Aplica-se, por analogia, o disposto nos arts. 27 e 28 da Lei n. 11.340/2003, que asseguram à mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

Uma vez que as crianças e adolescentes vítimas de violência integram um grupo socialmente vulnerável e se submetem ao microssistema de proteção de vulneráveis, deve ser assegurado também a elas o acesso aos serviços de Defensoria Pública, mediante atendimento específico e humanizado, em sede policial e judicial, aplicando-se a máxima de que onde há o mesmo fundamento deve haver a mesma solução jurídica (ubi eadem ratio ibi idem jus).

11.2.3. Resultado final.

A Defensoria Pública pode ser intimada, de ofício, pelo Juízo para prestar assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência, nos procedimentos de escuta especializada, sem que isso represente sobreposição inconstitucional às funções do Ministério Público.

HABEAS CORPUS

O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da CF não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública e integram o Sistema Único de Segurança Pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias.

HC 830.530-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/9/2023, DJe 4/10/2023. (Info 791)

12.1.                   Situação FÁTICA.

Creitinho foi condenado à pena de reclusão pelo crime de tráfico de drogas. Sua defesa impetrou HC no qual sustenta que a busca pessoal que culminou com a apreensão das drogas foi ilícita, porquanto desprovida de fundada suspeita e decorrente de desvio de função na atuação da guarda municipal.

12.2.                   Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Constituição Federal:

 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.

CPP:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

12.2.2. É puliça ou não é?

R: Vamos com calma!!!!

O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da Constituição Federal não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública e integram o Sistema Único de Segurança Pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias.

Bombeiros militares, por exemplo, integram o rol de órgãos de segurança pública previsto nos incisos do art. 144, caput, da Constituição, mas nem por isso se cogita que possam realizar atividades alheias às suas atribuições, como fazer patrulhamento ostensivo e revistar pessoas em via pública à procura de drogas.

O Supremo Tribunal Federal, apesar de reconhecer em diversos julgados que as guardas municipais integram o Sistema Único de Segurança Pública e exercem atividade dessa natureza, nunca as equiparou por completo aos órgãos policiais para todos os fins.

Não se pode confundir “poder de polícia” com “poder das polícias” ou “poder policial”. “Poder de polícia” é conceito de direito administrativo previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional e explicado pela doutrina como “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. Já o “poder das polícias” ou “poder policial”, típico dos órgãos policiais, é marcado pela possibilidade de uso direto da força física para fazer valer a autoridade estatal, o que não se verifica nas demais formas de manifestação do poder de polícia, que somente são legitimadas a se valer de mecanismos indiretos de coerção, tais como multas e restrições administrativas de direitos. Um agente de vigilância sanitária, por exemplo, quando aplica multa e autua um restaurante por descumprimento a normas de higiene, o faz em exercício de seu poder de polícia, mas nem de longe se pode compará-lo com um agente policial que usa a força física para submeter alguém a uma revista pessoal.

Dessa forma, o “poder das polícias” ou “poder policial” diz respeito a um específico aspecto do poder de polícia relacionado à repressão de crimes em geral pelos entes policiais, de modo que todo órgão policial exerce poder de polícia, mas nem todo poder de polícia é necessariamente exercido por um órgão policial.

Conquanto não sejam órgãos policiais propriamente ditos, as guardas municipais exercem poder de polícia e também algum poder policial residual e excepcional dentro dos limites de suas atribuições. A busca pessoal – medida coercitiva invasiva e direta – é exemplo desse poder, razão pela qual só pode ser realizada dentro do escopo de atuação da guarda municipal.

Ao dispor, no art. 301 do CPP, que “qualquer do povo poderá […] prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, o legislador, tendo em conta o princípio da autodefesa da sociedade e a impossibilidade de que o Estado seja onipresente, contemplou apenas os flagrantes visíveis de plano, como, por exemplo, a situação de alguém que, no transporte público, flagra um indivíduo subtraindo sorrateiramente a carteira do bolso da calça de outrem e o detém. Distinta, no entanto, é a hipótese em que a situação de flagrante só é evidenciada depois de realizar atividades invasivas de polícia ostensiva ou investigativa, como a busca pessoal ou domiciliar, uma vez que não é qualquer do povo que pode investigar, interrogar, abordar ou revistar seus semelhantes.

A adequada interpretação do art. 244 do Código de Processo Penal é a de que a fundada suspeita de posse de corpo de delito é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para autorizar a realização de busca pessoal, porque não é a qualquer cidadão que é dada a possibilidade de avaliar a presença dele. Em outras palavras, mesmo se houver elementos concretos indicativos de fundada suspeita da posse de corpo de delito, a busca pessoal só será válida se realizada pelos agentes públicos com atribuição para tanto, a quem compete avaliar a presença de tais indícios e proceder à abordagem e à revista do suspeito.

Da mesma forma que os guardas municipais não são equiparáveis a policiais, também não são cidadãos comuns, de modo que, se, por um lado, não podem realizar tudo o que é autorizado às polícias, por outro, também não estão plenamente reduzidos à mera condição de “qualquer do povo”. Trata-se de agentes públicos que desempenham atividade de segurança pública e são dotados do importante poder-dever de proteger os bens, serviços e instalações municipais, assim como os seus respectivos usuários.

Dessa forma, é possível e recomendável que exerçam a vigilância, por exemplo, de creches, escolas e postos de saúde municipais, para garantir que não tenham sua estrutura danificada por vândalos, ou que seus frequentadores não sejam vítimas de furto, roubo ou algum tipo de violência, a fim de permitir a continuidade da prestação do serviço público municipal correlato a tais instalações. Nessa linha, guardas municipais podem realizar patrulhamento preventivo na cidade, mas sempre vinculados à finalidade da corporação, sem que lhes seja autorizado atuar como verdadeira polícia para reprimir e investigar a criminalidade urbana ordinária.

Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para investigar, abordar e revistar indivíduos suspeitos da prática de tráfico de drogas ou de outros delitos cuja prática não atente de maneira clara, direta e imediata contra os bens, serviços e instalações municipais ou as pessoas que os estejam usando naquele momento.

Poderão, todavia, realizar busca pessoal em situações EXCEPCIONAIS – e por isso interpretadas RESTRITIVAMENTE – nas quais se demonstre concretamente haver clara, direta e imediata relação com a finalidade da corporação, como instrumento imprescindível para a realização de suas atribuições. Vale dizer, salvo na hipótese de flagrante delito, só é possível que as guardas municipais realizem excepcionalmente busca pessoal se, além de justa causa para a medida (fundada suspeita), houver pertinência com a necessidade de tutelar a integridade de bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais, assim como proteger os seus respectivos usuários, o que não se confunde com permissão para desempenharem atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil para combate da criminalidade urbana ordinária em qualquer contexto.

No caso, guardas municipais estavam em patrulhamento quando depararam com o acusado em “atitude suspeita”. Por isso, decidiram abordá-lo e, depois de revista pessoal, encontraram certa quantidade de drogas no bolso traseiro e nas vestes íntimas dele, o que ensejou a sua prisão em flagrante delito.

Ainda que, eventualmente, se considerasse provável que o réu ocultasse objetos ilícitos, isto é, que havia fundada suspeita de que ele escondia drogas, não existia certeza sobre tal situação a ponto de autorizar a imediata prisão em flagrante por parte de qualquer do povo, com amparo no art. 301 do CPP. Tanto que só depois de constatado que havia drogas dentro do bolso e das vestes íntimas do abordado é que se deu voz de prisão em flagrante para ele, e não antes.

Portanto, por não haver sido demonstrada concretamente a existência de relação clara, direta e imediata com a proteção dos bens, serviços ou instalações municipais, ou de algum cidadão que os estivesse usando, não estavam os guardas municipais autorizados, naquela situação, a avaliar a presença da fundada suspeita e efetuar a busca pessoal no acusado.

12.2.3. Resultado final.

O fato de as guardas municipais não haverem sido incluídas nos incisos do art. 144, caput, da CF não afasta a constatação de que elas exercem atividade de segurança pública e integram o Sistema Único de Segurança Pública. Isso, todavia, não significa que possam ter a mesma amplitude de atuação das polícias.

Fonte: Estratégia Concursos

Download disponível – Informativo STJ 791 Comentado



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