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Em casos excepcionais, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é possível a aplicação da multa administrativa prevista na Lei n. 9.847/1999 abaixo do mínimo legal, desde que baseada em elementos concretos que a justifiquem.

AgInt no AREsp 2.044.444-PR, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 1º/10/2024, DJe 15/10/2024. (Info STJ 836)

1.1.  Dos FATOS.

Biogás opera no ramo da distribuição de gás de cozinha, mas é uma empresa de pequeno porte. Em uma fiscalização efetuada pela ANP, foram encontrados alguns botijões de marcas não autorizadas para venda.

A ANP tascou a multa mínima prevista para a infração (R$ 20 mil). A empresa sustenta dificuldades financeiras e o seu pequeno porte, bem como a desproporcionalidade da multa.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Do DIREITO.

Lei 9.847/1999:

Art. 3o  A pena de multa será aplicada na ocorrência das infrações e nos limites seguintes:

VIII – deixar de atender às normas de segurança previstas para o comércio ou a estocagem de combustíveis e para a captura e a estocagem geológica de dióxido de carbono, colocando em perigo direto e iminente a vida, a integridade física ou a saúde, o patrimônio público ou privado, a ordem pública ou o regular abastecimento nacional de combustíveis

1.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Quanto à possibilidade de se fixar o valor da multa administrativa prevista na Lei n. 9.847/1999 abaixo do mínimo legal, a questão não é pacífica no Superior Tribunal de Justiça, havendo julgados da Primeira Turma que admitem essa redução quando observadas as peculiaridades do caso, ao lado de acórdãos da Segunda Turma visualizando nessa mesma redução ofensa ao princípio da legalidade estrita e à discricionariedade administrativa.

Apesar da existência de divergência entre as Turmas da Primeira Seção, e ressalvada a compreensão pessoal do relator acerca da questão jurídica, deve ser mantida a jurisprudência até então adotada pela Primeira Turma sobre a possibilidade de aplicação de multa abaixo do mínimo legal em casos excepcionais, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Todavia, no caso dos autos, o acórdão recorrido violou o art. 3º, VIII, da Lei 9.847/1999 ao reduzir o valor da multa para aquém do mínimo legal.

O Tribunal de origem, apreciando pretensão anulatória de sanção administrativa imposta pelo armazenamento de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) em quantidade superior à permitida, reconheceu a higidez do ato, mas reduziu o valor da multa para aquém do mínimo legal, sem, contudo, correlacionar a extrapolação por ele apontada com nenhum elemento concreto. Limitou-se a colacionar julgados do Tribunal de origem que, estes sim, fizeram referência ao contrato social das empresas que naqueles julgados haviam sido autuadas.

Não se explica no acórdão recorrido como essa quantificação feita pelo Tribunal de origem – de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) abaixo do mínimo legal – restauraria a legitimidade da sanção, que, de acordo com art. 3º, VIII, da Lei 9.847/1999, poderia oscilar entre vinte mil e um milhão de reais.

Dessa forma, o Tribunal de origem não correlacionou a extrapolação por ele apontada com nenhum elemento concreto, permitindo entrever nos seus fundamentos uma censura na realidade dirigida ao art. 3º, VIII, da Lei 9.847/1999, sem a observância do art. 97 da Constituição Federal.

1.2.3.    Da DECISÃO.

Em casos excepcionais, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é possível a aplicação da multa administrativa prevista na Lei n. 9.847/1999 abaixo do mínimo legal, desde que baseada em elementos concretos que a justifiquem.

A não homologação, pela comissão de heteroidentificação, de autodeclaração do candidato às vagas destinadas a afrodescendentes implica apenas sua eliminação do certame em relação às vagas reservadas e não alcança a sua classificação na lista de ampla concorrência.

REsp 2.105.250-RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2024, DJe 4/12/2024. Info STJ 836

2.1.  Dos FATOS.

Creiton, concurseiro, se inscreveu em concurso público no qual se declarou pardo para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros. Por ser aluno do ECJ, foi aprovado tanto na ampla concorrência como nas vagas reservadas.

Ocorre que a comissão de heteroidentificação entendeu que o rapaz não era pardo, razão pela qual Creiton foi eliminado do concurso de ambas as listas. A comissão  fundamentou a decisão em cláusula do edital que previa a exclusão do candidato no caso de não homologação da autodeclaração racial.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 12.990/2014:

Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

2.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia a debater ato atribuído a Presidente de Comissão de Heteroidentificação que, no âmbito de processo seletivo, não homologou autodeclaração como pessoa negra (preta ou parda), para fins de concorrência às vagas destinadas a afrodescendentes, eliminando o candidato do certame, apesar desse também ter sido classificado dentro das vagas destinadas à ampla concorrência.

Tem-se, portanto, que a controvérsia busca aferir a existência, ou não, de compatibilidade de cláusula editalícia – que prevê a eliminação do candidato aprovado dentro das vagas destinadas à ampla concorrência pelo fato de sua autodeclaração, como pessoa negra, não ter sido homologada pela Banca Examinadora – com a regra contida no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014.

Em seu caput, o art. 2º da Lei n. 12.990/2014 dispõe especificamente a respeito da possibilidade de haver reservas de vagas destinadas a candidatos negros, assim considerados aqueles que se declararem pretos e pardos, motivo pelo qual a sanção contida no parágrafo único desse mesmo dispositivo – eliminação do candidato que prestar declaração falsa – se restringe à disputa por aquelas vagas reservadas, não alcançando a disputa pelas vagas destinadas à ampla concorrência.

Essa interpretação é corroborada pelo art. 3º desse diploma legal, onde é dito expressamente que os candidatos autodeclarados negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas de ampla concorrência, sem qualquer referência à possibilidade de o resultado da disputa pelas vagas de ampla concorrência ser influenciado pela eliminação na disputa pelas vagas reservadas – prevista no artigo anterior.

Nesse diapasão, a partir da interpretação sistemática dos referidos dispositivos legais, que claramente admitem a possibilidade de os candidatos concorrerem simultaneamente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, a sanção estabelecida no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014 deve ser interpretada restritivamente apenas em relação às vagas reservadas.

Via de consequência, o Edital do certame deve ser interpretado em harmonia com a regra do art. 2º, caput e parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014, no sentido de que a não homologação da autodeclaração do candidato implica apenas sua eliminação do certame em relação às vagas reservadas.

Por fim, diante do silêncio existente na Lei n. 12.990/2014, é licito associar-se a declaração falsa ali referida à ideia de falsidade ideológica, que, por sua vez, traz em si a necessidade de existência de má-fé.

Nessa toada, a mera não homologação da autodeclaração do candidato pela comissão de heteroidentificação não pode ser automaticamente associada à falsidade daquela autodeclaração.

Com efeito, é cediço que a natureza fluida e subjetiva de uma classificação racial é inexoravelmente marcada por pré-concepções daqueles envolvidos nesse processo ao buscarem avaliar dado indivíduo ou grupo.

Tem-se, desse modo, que a eliminação do certame prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 12.990/2014 não pode ser aplicada de forma irrestrita em toda e qualquer situação de não homologação da autodeclaração realizada pelos candidatos, sob pena de ofensa ao princípio da razoabilidade.

Por conseguinte, à luz do princípio da razoabilidade como equidade, não há como se desconsiderar a subjetividade das classificações raciais e, desse modo, a natural possibilidade de divergência de opiniões diante de dada situação concreta, quando uma comissão de heteroidentificação é chamada para classificar racialmente dado candidato.

De igual modo, tomando-se o princípio da razoabilidade como congruência, a não homologação de uma autodeclaração não autoriza imputar a ela a pecha de falsa, sob pena, inclusive, de se estar a presumir a má-fé do candidato, o que a jurisprudência do Superior Tribunal abomina.

2.2.3.    Da DECISÃO.

A não homologação, pela comissão de heteroidentificação, de autodeclaração do candidato às vagas destinadas a afrodescendentes implica apenas sua eliminação do certame em relação às vagas reservadas e não alcança a sua classificação na lista de ampla concorrência.

É irrelevante o momento de possibilidade de exercício de atividade laboral de detento que faleceu no presídio, para fixação do termo inicial da pensão por morte em favor de seu dependente, marco que é traçado pela data do evento danoso (óbito).

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/10/2024, DJe 25/10/2024. Info STJ 836

3.1.  Dos FATOS.

Craudião, apenado, foi morto por outro detento durante rixa. Sua esposa e filho ajuizaram ação em face do Estado pretendendo indenização por danos morais e pensão mensal.

O Estado alega que eventual pensão deveria ser calculada com início somente após o término do cumprimento da pena de Craudião, sendo que do momento do óbito até tal data ainda restariam vinte anos.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Na origem, trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada em virtude do óbito do genitor do recorrido, o qual veio a óbito enquanto encontrava-se preso.

O acórdão local garantiu a indenização por dano material, pois entendeu que por supostamente se tratar de família de baixa renda, se presume a percepção de renda pelo de cujus, capaz de justificar o pensionamento mensal em favor de seus familiares.

O recorrente sustenta como termo inicial para o pensionamento mensal a data em que o detento reuniria as condições para passar do regime fechado para o semiaberto, pois, somente a partir daí poderia haver presunção de contribuição pecuniária para o sustento do filho recorrido.

Conforme a jurisprudência, o termo inicial da pensão e dos juros é a data do evento danoso, sendo irrelevante o efetivo exercício de atividade laboral pela vítima.

Em suma, é irrelevante o momento de possibilidade de exercício de atividade laboral pela vítima para fixação do termo inicial da pensão por morte, marco que é traçado pela data do evento danoso.

3.2.2.    Da DECISÃO.

É irrelevante o momento de possibilidade de exercício de atividade laboral de detento que faleceu no presídio, para fixação do termo inicial da pensão por morte em favor de seu dependente, marco que é traçado pela data do evento danoso (óbito).

No caso de o beneficiário de seguro de vida se confundir com a figura do próprio segurado, o prazo prescricional para ingressar em juízo em face da seguradora pleiteando o adimplemento do seguro é ânuo.

AgInt no AREsp 2.323.675-SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 3/12/2024. Info STJ 836

4.1.  Dos FATOS.

Crementina aderiu a um seguro de vida em grupo que previa pagamento de indenização em caso de morte do cônjuge, mas não se deu conta. Após o óbito do seu esposo em 2013, Crementina levou 3 anos para se dar conta do direito à indenização.

Após requerer o valor, Crementina foi informada pela seguradora que já havia decorrido o prazo prescricional de um ano previsto no art. 206,§1º,II do CC. Crementina então apresenta recurso no qual sustenta que o prazo seria decenal por ser beneficiária e não segurada principal.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Do DIREITO.

Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

§ 1 Em um ano:

II – a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:     

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

4.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Trata-se de controvérsia acerca do prazo prescricional para a cobrança de seguro de vida, no qual a contratante é simultaneamente titular da apólice e beneficiária, considerando a inclusão de cobertura adicional para seu cônjuge, cuja indenização é pleiteada em razão de seu falecimento.

O STJ já definiu no IAC n. 2 que “é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador – e vice-versa – baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)”.

O STJ distingue a hipótese na qual o beneficiário (terceiro), e não o segurado, ingressa em juízo em face da seguradora, pleiteando o adimplemento do seguro, considerando incidente o prazo prescricional decenal.

Tal distinção se dá em virtude do dispositivo legal (art. 206, § 1º, II, b, do Código Civil) dizer respeito à pretensão entre segurado e segurador, não sendo aplicável a terceiros que não participaram da relação contratual (e muitas vezes dela nem tem conhecimento), figurando apenas como beneficiários.

Dessa forma, não há falar em inaplicabilidade do prazo prescricional ânuo, mesmo em relação à eventual indenização pelo óbito de seu cônjuge. Isso porque, a parte autora não apenas detém a condição de favorecida, mas também figurou como parte (contratante) no seguro, tendo pleno conhecimento de sua existência e de seus termos. Não pode ser considerada, portanto, mera beneficiária, ou terceira que não participou do ajuste.

4.2.3.    Da DECISÃO.

No caso de o beneficiário de seguro de vida se confundir com a figura do próprio segurado, o prazo prescricional para ingressar em juízo em face da seguradora pleiteando o adimplemento do seguro é ânuo.

O patrimônio herdado por representação jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas.

AREsp 2.291.621-RO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 4/12/2024. Info STJ 836

5.1.  Dos FATOS.

Creiton, devedor de uma grande dívida decorrente de um contrato de empréstimo, falece antes de seus pais, deixando como herdeiros seus filhos Creitinho e Gertrudes. Os bens deixados por Creiton são inventariados e partilhados integralmente entre os filhos. Tempos depois, os pais de Creiton também falecem, deixando um patrimônio considerável, no qual Creiton, caso estivesse vivo, teria direito à legítima. Esse direito, por sucessão, transfere-se aos filhos Creitinho e Gertrudes.

O banco credor, ao perceber que o patrimônio deixado pelos pais de Creiton inclui bens passíveis de sobrepartilha, busca redirecionar a execução contra o espólio, visando alcançar os bens provenientes dessa herança. Pode isso?

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Trata-se de discussão para saber se o patrimônio deixado pelos pais de herdeiro pré-morto responde por suas dívidas. No caso, o Juízo de primeiro grau o excluiu do polo passivo da execução, considerando que já houve a partilha dos bens deixados por ele entre os seus herdeiros. Contudo, o Tribunal de origem entendeu que o espólio tinha legitimidade para figurar no polo passivo, pois ainda existiam bens sujeitos à sobrepartilha, provenientes da herança dos pais do devedor falecido.

Entende-se que sobrepartilha é a repartição de bens após a partilha que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, dividindo-se em dois grupos, de acordo com o momento em que é aferida: se no curso do inventário, sobrepartilha prospectiva; se depois de encerrado, sobrepartilha retrospectiva.

Assim, segundo a doutrina, “a sobrepartilha retrospectiva envolve a localização (descoberta) de bens e/ou de direitos que deveriam ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, sendo necessário que se instaure novo processo em razão do inventário primitivo já ter findado”.

Verifica-se, assim, que o caso não trata de sobrepartilha, pois não se discute o patrimônio do de cujus que deveria ter sido alvo de arrecadação sucessória originalmente, mas sim o patrimônio herdado por representação, em que os representantes do herdeiro pré-morto recebem a mesma parte que seu ascendente receberia se estivesse vivo, nos termos dos arts. 1.851 e seguintes do Código Civil.

Ensina a doutrina que “o representante ocupa o lugar do representado e sucede diretamente o autor da herança, sendo evidente que o representante atua em seu próprio nome”.

Assim, nem mesmo por ficção legal a herança integra o patrimônio do descendente pré-morto. Por essa razão, tal patrimônio não pode ser alcançado para pagamento das dívidas do codevedor falecido, cujo óbito ocorreu antes do de seus ascendentes.

5.2.2.    Da DECISÃO.

O patrimônio herdado por representação jamais integra o patrimônio do descendente pré-morto e, por isso, não pode ser alcançado para pagamento de suas dívidas.

As sanções pelo não comparecimento injustificado do credor à audiência de conciliação no processo de tratamento do superendividamento, previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, podem ser aplicadas na fase consensual (pré-processual).

REsp 2.168.199-RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/12/2024. Info STJ 836

6.1.  Dos FATOS.

Creosvaldo acumulou dívidas pela vida toda, enquadrando-se no conceito de superendividado. Ajuizou repactuação judicial, buscando plano de pagamento que pudesse manter seu mínimo existencial.

No entanto, o Banco Brasa não compareceu à audiência de conciliação pré-processual, razão pela qual foi aplicada sanção prevista no art. 104-A,§2º do CDC. O Banco Brasa recorre e argumenta que a aplicabilidade de tais sanções só poderia ocorrer na fase judicial.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Do DIREITO.

CDC:

Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.        

§ 2º O não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória

6.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

A controvérsia cinge-se a definir se as sanções previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, incidem na hipótese de não comparecimento injustificado do credor à audiência de conciliação realizada na fase pré-processual do processo de repactuação de dívidas.

O processo de tratamento do superendividamento divide-se em duas fases: consensual (pré-processual) e contenciosa (processual). A fase pré-processual tem início a partir de um requerimento apresentado pelo consumidor. Caso não seja obtida a conciliação na primeira fase, segue-se a instauração do processo judicial, conforme previsto no art. 104-B do CDC.

Não se ignora que ninguém é obrigado a conciliar. Contudo, é salutar a imposição legal do dever de comparecimento à audiência de conciliação designada na primeira fase do processo, inclusive mediante procurador com “poderes especiais e plenos para transigir” (art. 104-A, § 2°, do CDC), sob pena de esvaziamento da finalidade do ato.

Trata-se de um dever anexo do contrato celebrado entre a instituição financeira e o consumidor, que decorre do princípio da boa-fé objetiva, cujo descumprimento enseja as seguintes sanções: i) suspensão da exigibilidade do débito; ii) interrupção dos encargos da mora; iii) sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor; e iv) pagamento após o adimplemento das dívidas perante os credores presentes à audiência conciliatória.

6.2.3.    Da DECISÃO.

As sanções pelo não comparecimento injustificado do credor à audiência de conciliação no processo de tratamento do superendividamento, previstas no art. 104-A, § 2°, do CDC, podem ser aplicadas na fase consensual (pré-processual).

As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional estão isentas da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE).

REsp 1.825.143-CE, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2024, DJe 4/12/2024. Info STJ 836

7.1.  Dos FATOS.

AB Movies é uma pequena produtora de vídeos optante pelo SIMPLES. Em determinado momento, foi notificada pela ANCINE para o pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE).

Alega que, justamente por ser optante pelo SIMPLES, estaria dispensada do pagamento, tese da qual discorda a ANCINE.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia a discutir a obrigatoriedade de recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) pelas empresas que integram o Simples Nacional.

A Lei Complementar n. 123/2006 instituiu o regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições, estabelecendo a sistemática denominada Simples Nacional, em que há a simplificação do recolhimento mensal dos impostos e das contribuições devidos por microempresas e empresas de pequeno porte.

Em seu art. 13, são listados os vários impostos e contribuições que serão recolhidos mediante documento único de arrecadação; enquanto o § 1º define que o recolhimento simplificado não exclui a incidência de determinados impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável.

Extrai-se que a dispensa do recolhimento de determinada contribuição pelas empresas optantes pelo Simples Nacional pressupõe que (a) a contribuição não esteja listada no caput do art. 13 da LC n. 123/2006, nem excepcionada no § 1º desse mesmo artigo; e ( b) que seja uma contribuição instituída pela União.

Instituída pela União no exercício de sua competência exclusiva prevista no art. 149, caput, da Constituição Federal, a CONDECINE é contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) destinada ao setor cinematográfico, como já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao estabelecer expressamente no § 3º do art. 13 da LC n. 123/2006 a dispensa do pagamento das “demais contribuições instituídas pela União”, o legislador não deu margem a interpretações.

Portanto, sendo a CONDECINE uma contribuição de intervenção no domínio econômico instituída pela União, e não constando do rol de contribuições de que trata o caput, nem daquele tratado no § 1º do art. 13 da LC n. 123/2006, deve ser reconhecida a dispensa de seu recolhimento pelas microempresas e pelas empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional.

Além disso, o fato de que a CONDECINE ter sido instituída anteriormente à criação do regime de arrecadação Simples Nacional corrobora para esse entendimento, pois deixa evidente a opção do legislador em não incluir essa contribuição no rol constante no art. 13 da LC 123/2006.

Por outro lado, a destinação do produto da arrecadação ao Fundo Nacional da Cultura não afasta o enquadramento da CONDECINE no § 3º do art. 13 da LC n. 123/2006, pois esse dispositivo legal menciona expressamente as contribuições instituídas pela União, e não as contribuições destinadas à União.

Da mesma forma, a atribuição da capacidade tributária ativa à ANCINE, para arrecadação e fiscalização da CONDECINE, não altera o fato de que a competência para instituir essa contribuição é da União, exatamente como estabelece o § 3º do art. 13 da Lei Complementar 123/2006.

Destarte, deve ser afastada a obrigatoriedade de recolhimento da CONDECINE pelas empresas que integram o Simples Nacional.

7.2.2.    Da DECISÃO.

As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional estão isentas da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE).

É legal o aproveitamento dos créditos de ICMS na compra de produtos químicos para a fabricação de fluido de perfuração, utilizados nas atividades fins da sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessária sua utilização para a realização do objeto social da empresa.

AREsp 2.621.584-RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 3/12/2024. Info STJ 836

8.1.  Dos FATOS.

A Petrobras, além de produzir combustíveis, perfura poços. Para tanto, utiliza produto químico para a fabricação de fluido de perfuração, material essencial para a escavação.

Quando das suas operações recentes, a Petrobras adquiriu grandes quantidades deste produto e se creditou do ICMS pago nas aquisições. O ente estadual não concordou com o creditamento por entendê-lo indevido em razão de o químico em questão não ser incorporado ao produto final.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade ou não de aproveitamento de crédito de ICMS na aquisição de fluídos de perfuração.

O Tribunal a quo entendeu que restou comprovado que o produto (fluido de perfuração) integra diretamente a cadeia produtiva do contribuinte, tendo natureza jurídica de insumo, sendo legal o creditamento do ICMS.

O referido entendimento está de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, a partir da vigência da Lei Complementar n. 87/1996, é legal o aproveitamento dos créditos de ICMS na compra de produtos intermediários utilizados nas atividades fins de sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessária a sua utilização para a realização do objeto social da empresa.

8.2.2.    Da DECISÃO.

É legal o aproveitamento dos créditos de ICMS na compra de produtos químicos para a fabricação de fluido de perfuração, utilizados nas atividades fins da sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessária sua utilização para a realização do objeto social da empresa.

A alteração da gravidade da doença não afasta o direito à isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria.

EDcl no AgInt no REsp 2.118.943-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/10/2024, DJe 25/10/2024. Info STJ 836

9.1.  Dos FATOS.

Creiton foi diagnosticado com cardiopatia grave em 2017, razão pela qual recebeu isenção de IRPF sobre os valores recebidos a título de aposentadoria. Em 2018, realizou procedimento cirúrgico que melhorou seu quadro clínico. A isenção foi então cassada.

Inconformado, Creiton ajuizou ação na qual comprovou a permanência da condição e gastos médicos e despesas regulares decorrentes.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Do DIREITO.

Lei n. 7.713/1988:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;

9.2.2.    Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia em definir se a alteração da gravidade da doença afasta o direito à isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria.

Na origem, o Tribunal Regional entendeu que a isenção deveria ficar restrita ao período no qual a parte autora era portadora de cardiopatia grave, afastando o benefício após a realização de procedimento cirúrgico com vistas a reduzir o problema.

Contudo, a jurisprudência consolidada em ambas as Turmas da Primeira Seção estabelece que “a isenção do imposto de renda incidente sobre os proventos de aposentadoria percebidos por portadores de moléstias-graves nos termos art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/1988 independe da contemporaneidade dos sintomas” (RMS n. 57.058/GO, rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6/9/2018, DJe de 13/9/2018).

Destaca-se, ainda, o enunciado n. 627 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração de contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade“.

9.2.3.    Da DECISÃO.

A alteração da gravidade da doença não afasta o direito à isenção de imposto de renda sobre proventos de aposentadoria.

A Lei n. 14.151/2021 não permite a compensação de valores pagos pelo empregador a título de remuneração à empregada com parcelas de contribuição previdenciária e de contribuição parafiscal, como se fosse salário-maternidade.

AgInt no REsp 2.149.080-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 21/10/2024, DJe 25/10/2024. Info STJ 836

10.1.               Dos FATOS.

Durante a pandemia foi publicada a Lei n. 14.151/2021 que previa o afastamento de gestantes das atividades laborais durante certo período. Algum tempo depois, a Associação dos Comerciantes impetrou Mandado de Segurança Coletivo para tentar garantir a possibilidade de compensação de valores pagos pelo empregador a título de remuneração à empregada com parcelas de contribuição previdenciária e de contribuição parafiscal, como se fosse salário-maternidade.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Dos FUNDAMENTOS.

Cinge-se a controvérsia a discutir a possibilidade ou não de equiparar-se o afastamento previsto na Lei n. 14.151/2021 à licença maternidade.

A orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não deve ser enquadrado como salário-maternidade o que foi pago às empregadas gestantes afastadas segundo as hipóteses da Lei n. 14.151/2021, enquanto durar o afastamento, para fins de compensação com parcelas futuras de contribuição previdenciária e de contribuição parafiscal.

A Lei n. 14.151/2021 determinou o afastamento da gestante do trabalho presencial, e não do trabalho tout court, não se verificando, portanto, suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, mas apenas alteração na sua forma de execução, o que configura a remuneração direta e habitual devida em razão da existência do vínculo empregatício, ainda que, eventualmente, a contratada fique somente à disposição do empregador.

Com efeito, a pandemia da COVID-19 demandou várias adaptações. Tais consequências e mudanças, embora não sejam ideais, devem ser assumidas tanto pelo setor privado quanto pelo governo, e não somente por este último.

Portanto, a medida estabelecida pela Lei n. 14.311/2022 é justa e apropriada, com a implementação totalmente possível, especialmente devido à flexibilidade de alterar as funções desempenhadas pelas gestantes.

10.2.2. Da DECISÃO.

A Lei n. 14.151/2021 não permite a compensação de valores pagos pelo empregador a título de remuneração à empregada com parcelas de contribuição previdenciária e de contribuição parafiscal, como se fosse salário-maternidade.

I – As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.

II – A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado;

III – Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida.

IV – Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

REsp 2.070.717-MG, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Rel. para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, por maioria, julgado em 13/11/2024. (Tema 1249). Info STJ 836

11.1.               Dos FATOS.

Claudete foi ameaçada pelo ex-companheiro Crementino. O Juizado de Violência Doméstica deferiu medidas protetivas em seu favor, dentre elas a proibição de se aproximar da vítima pelo prazo de 180 dias, podendo ser prorrogado em caso de requerimento da parte.

O MP recorre e alega que a decisão que fixa prazo determinado para as medidas protetivas de urgência contraria o objetivo da Lei Maria da Penha e pode expor a vítima a novos riscos após o término do período estipulado.

11.2.               Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Do DIREITO.

Lei Maria da Penha:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 5º As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência. 

11.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Inicialmente cumpre salientar que, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça, afirma que as medidas protetivas de urgência “são autônomas em relação ao processo principal, com dispensa da vítima quanto ao oferecimento de representação em ação penal pública condicionada”.

As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, por visarem resguardar a integridade física e psíquica da ofendida, possuem conteúdo satisfativo, e não se vinculam, necessariamente, a um procedimento principal. Elas têm como objeto a proteção da vítima e devem permanecer enquanto durar a situação de perigo.

Tal posição parece haver sido partilhada pelo legislador com a publicação da Lei n. 14.550/2023, que incluiu o parágrafo 5º no art. 19 da Lei Maria da Penha para afirmar que “as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência”.

Não se trata de mudança originária no sentido do art. 19, mas de interpretação autêntica, que pretende afastar a possibilidade de acepções restritivas e, em última análise, violadoras dos direitos das mulheres. Nessa conjectura, a exposição de motivos do PL n. 1.604/2022: “este projeto de lei busca tornar inquestionável a proteção que oferece à mulher mesmo na hipótese de atipicidade criminal do ato de violência, de ausência de prova cabal, de risco de lesão à integridade psicológica por si só e independentemente da instauração de processo cível ou criminal”.

É indene de dúvidas, portanto, que a recente alteração legislativa almejou rechaçar, de uma vez por todas, a suposta natureza cautelar/preparatória das medidas protetivas de urgência. Defender a natureza pré-cautelar das medidas protetivas importa retirar da mulher o direito de ser protegida quando não se dispuser a processar criminalmente o ofensor, ou quando, por outro motivo qualquer, inexistir atos formais de persecução penal contra o agressor.

Segundo a doutrina, “o fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas”.

Por isso, a configuração das medidas protetivas deve ser considerada como tutela inibitória, porquanto tem por escopo proteger a ofendida, independentemente da existência de inquérito policial ou ação penal, não sendo necessária a realização de um dano, tampouco a prática de uma conduta criminalizada. Neste ponto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que se deve “compreender a medida protetiva como tutela inibitória que prestigia a sua finalidade de prevenção de riscos para a mulher, frente à possibilidade de violência doméstica e familiar” (CC 156.284/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 6/3/2018).

Nesse contexto, a natureza jurídica da medida protetiva de urgência deferida em favor da mulher é de tutela inibitória, por ser essa a única interpretação compatível com os objetivos de proteção que a Lei Maria da Penha visou conferir às mulheres vítimas de violência em razão do gênero.

Como espécie de tutela inibitória, as medidas protetivas têm caráter provisório, e como tal, devem vigorar enquanto subsistir o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da vítima. Esse é o entendimento retratado na Lei Maria da Penha com a inclusão do art. 19, § 6º, pela Lei n. 14.550/2023, que estabelece que “as medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”.

Cumpre aclarar que o legislador, justamente por não haver subordinado as medidas protetivas de urgência à existência de um procedimento principal, tampouco correlacionou sua duração ao resultado do processo penal. Assim, eventual arquivamento do inquérito policial, absolvição do acusado ou reconhecimento de causa de extinção de punibilidade não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco.

Nem se diga que, ao assim proceder, seriam aniquilados os direitos do imputado ou criada uma sanção ilimitada. A um, porque as medidas protetivas não visam punir o agressor, mas proteger a mulher. A dois, porque a restrição parcial à liberdade de locomoção não é eterna; ela cessa no exato momento em que findar a situação de risco. Nessa ordem de ideias, é irrefutável que, apesar do caráter provisório inerente às medidas protetivas de urgência, não há como quantificar, de antemão, em dias, semanas, meses ou anos, o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado.

Com efeito, a fim de se evitar a perenização das medidas, a pessoa interessada, quando entender não mais ser pertinente a tutela inibitória, poderá provocar o juízo de origem a se manifestar e este, ouvindo a vítima, decidirá acerca da manutenção ou extinção da medida protetiva, e que, em caso de revogação da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

O que não parece adequado, e muito menos conforme ao desejo de proteção e acolhimento da mulher vítima de violência em razão do gênero, é dela exigir um reforço periódico de seu desejo de manter-se sob a proteção de uma medida protetiva de urgência. A renovação de sua iniciativa – dirigir-se ao Fórum ou à Delegacia de Polícia para insistir, a cada 3 ou 6 meses, na manutenção da medida protetiva – implicaria uma revitimização e, consequentemente, uma violência institucional que precisa ser coibida.

A iniciativa para eventual revisão ou mesmo retirada da medida protetiva de urgência deve partir de quem esteja sob o compromisso de abster-se de algum ato que possa turbar a tranquilidade ou segurança da ofendida, hipótese em que esta será ouvida antes de uma decisão judicial. Foi assim que, a propósito, decidiu recentemente a Terceira Seção deste Superior Tribunal, ao assentar a imprescindibilidade da oitiva da ofendida “para que a situação fática seja devidamente apresentada ao Juízo competente, que diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação/concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor” (AgRg nos EDcl no RHC 184.081/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Jr, Terceira Seção, DJe 10/10/2023).

Isso posto, são fixadas as seguintes teses sobre as questões:

I – As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.

II – A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado.

III – Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida.

IV – Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

11.2.3. Da DECISÃO.

I – As medidas protetivas de urgência (MPUs) têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência (atual ou vindoura) de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal.

II – A duração das MPUs vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual devem ser fixadas por prazo temporalmente indeterminado;

III – Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito policial ou absolvição do acusado não origina, necessariamente, a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida.

IV – Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006.

Estando devidamente comprovado o exercício de atividade laboral autônoma pelo apenado, é ilegítimo afastar a remição quando não há comprovação de supervisão da atividade e do cumprimento da jornada mínima de 6 horas diárias.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 12/8/2024, DJe 20/8/2024. Info STJ 836

12.1.               Dos FATOS.

Juvenal, advogado, cumpria pena em prisão domiciliar conforme ajustado em acordo de delação premiada no qual estava autorizado a trabalhar das 6 da matina às 8 da noite. Requereu então a remição da pena com base em seu trabalho realizado de forma autônoma.

O MP não concorda e alega que não fora comprovado o trabalho mínimo de 6 horas diárias, bem como a supervisão..

12.2.               Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Do DIREITO.

Lei de Execução Penal – LEP:

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.

12.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

Ao interpretar os artigos 33 e 126 da Lei de Execução Penal – LEP, o Superior de Justiça de Justiça firmou o entendimento de que não basta a comprovação do trabalho para que o apenado tenha direito à remição, exigindo-se que a atividade seja supervisionada, com cumprimento da jornada mínima de 6 horas diárias.

A matéria foi pacificada no julgamento do Tema 917 do STJ, oportunidade em que se fixou a tese de que “é possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa extramuros”, e em que se esclareceu que a supervisão direta do próprio trabalho deve ficar a cargo do patrão do apenado, cumprindo à administração carcerária o controle da regularidade do trabalho.

Contudo, quando o trabalho é realizado de forma autônoma e não há patrão para supervisioná-lo, notadamente no que se refere à jornada laboral, questiona-se como deve ser feita a comprovação da atividade para remição da pena.

No caso, verifica-se que, no próprio acordo de colaboração premiada, há a previsão de trabalho externo durante o período de prisão domiciliar, bem como autorização para que o colaborador se desloque, das 6 às 20 horas, para os imóveis rurais de sua família e para o seu escritório de advocacia a fim de desenvolver suas atividades laborais.

Estando devidamente comprovado o exercício da atividade advocatícia pelo colaborador, o fato de o trabalho não haver sido fiscalizado, inexistindo a comprovação da jornada diária, não impede a concessão do benefício, uma vez que é profissional autônomo e possui escritório advocatício individual, além de trabalhar em home office, peculiaridades que não permitem a supervisão de suas atividades por um patrão.

Assim, não se afigura legítimo afastar a remição quando, apesar de devidamente demonstrada a atividade laboral, não há comprovação de supervisão da atividade e do cumprimento da jornada mínima de 6 horas diárias.

12.2.3. Da DECISÃO.

Estando devidamente comprovado o exercício de atividade laboral autônoma pelo apenado, é ilegítimo afastar a remição quando não há comprovação de supervisão da atividade e do cumprimento da jornada mínima de 6 horas diárias.

Compete ao juiz da sentença ou ao indicado na lei local de organização judiciária a execução penal de condenação oriunda da Justiça estadual ao cumprimento de pena em regime semiaberto, ainda que haja mudança de domicílio do apenado.

CC 208.423-SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 25/9/2024, DJe 27/9/2024. Info STJ 836

13.1.               Dos FATOS.

Creosvaldo foi condenado pelo Juízo de Piratuba-SC à pena de reclusão em regime semiaberto. Após o trânsito em julgado, informou ao juízo que se mudou para Curitiba-PR.

O Juízo de Piratuba encaminhou o guia de execução penal para o Juízo de Curitiba, considerando o local de domicílio atual. Já o curitibano entende que a competência para execução permanece com o juízo da condenação, cabendo a si somente a supervisão do cumprimento da pena.

13.2.               Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Do DIREITO.

LEP:

Art. 65. A execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença.

13.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

A execução penal competirá ao Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença, na forma do art. 65 da Lei de Execução Penal.

O advento da Resolução n. 474/2022 do Conselho Nacional de Justiça – que alterou o art. 23 da Resolução n. 417/2021 – não alterou o cenário legal dessa matéria. O referido ato normativo estabelece que, em se tratando pena privativa de liberdade a ser cumprida em regime semiaberto ou aberto, o apenado deve ser previamente intimado para iniciar o cumprimento da pena, de modo que foi suprimida a possibilidade de expedição de mandado de prisão como primeiro ato da execução nessas hipóteses, providência essa que só tem lugar caso o apenado não seja encontrado no endereço por ele indicado ou, caso intimado, não se apresente para iniciar o cumprimento da pena.

No julgamento do CC n. 197.304/PR, a Terceira Seção decidiu que, em caso de condenação oriunda da Justiça Federal ao cumprimento de pena em regime semiaberto, é inviável impor ao Juízo da condenação o ônus de intimar o apenado, pois apenas o Juízo estadual pode aferir a existência de vaga em estabelecimento prisional adequado para o cumprimento da pena em regime semiaberto e, em caso negativo, adotar as medidas preconizadas na Súmula Vinculante n. 56 do STF.

Contudo, o caso trata de condenação oriunda da Justiça estadual, hipótese na qual não se vislumbra nenhum óbice objetivo para que essa intimação seja levada a efeito pelo próprio Juízo da condenação ou por aquele designado pela lei de organização judiciária local (art. 65 da LEP), sendo-lhe possível averiguar, de antemão, a existência da vaga em estabelecimento compatível e intimar o apenado mediante carta precatória endereçada ao Juízo em que domiciliado.

Desse modo, em se tratando de cumprimento de pena privativa de liberdade, oriunda da Justiça estadual, em regime inicial semiaberto e tendo o apenado indicado domicílio em local diverso da condenação, incumbe ao Juízo competente (art. 65 da LEP) averiguar de antemão a existência de vaga em estabelecimento compatível com esse regime, podendo, a partir daí, adotar, alternativamente, as seguintes providências: 1) expedir carta precatória para fins de intimação do apenado para que se apresente para iniciar o cumprimento da pena no estabelecimento por ele indicado (caso exista vaga em estabelecimento compatível); ou 2) harmonizar o regime (na forma da Súmula Vinculante n. 56/STF), expedindo carta precatória para o Juízo do domicílio, deprecando não só a intimação do apenado (art. 23 da Resolução n. 417/2021 do CNJ) como também a fiscalização do cumprimento da pena em si, ressaltando que, caso opte por monitoramento eletrônico, deve consultar previamente o Juízo deprecado acerca da disponibilidade de equipamento, sem prejuízo da possibilidade de disponibilizar meio tecnológico para esse fim.

13.2.3. Da DECISÃO.

Compete ao juiz da sentença ou ao indicado na lei local de organização judiciária a execução penal de condenação oriunda da Justiça estadual ao cumprimento de pena em regime semiaberto, ainda que haja mudança de domicílio do apenado.

A abordagem policial sem fundada suspeita e com emprego de violência física, tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante configura violação aos direitos humanos e invalida as provas obtidas, as quais devem ser desentranhadas do processo.

HC 933.395-SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 26/11/2024, DJe 3/12/2024. Info STJ 836

14.1.               Dos FATOS.

Creitinho foi preso supostamente em flagrante. No momento da prisão, foi submetido a violência física e tortura pelos policiais. As agressões foram confirmadas por meio de exame médico e vídeos. A Defensoria alega a nulidade das provas obtidas durante as agressões.

14.2.               Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Do DIREITO.

Código de Processo Penal:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.                    

§ 1o  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.   

14.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

No caso, as câmeras corporais dos policiais registraram agressões físicas ao paciente, que se rendeu sem resistência, indicando que a abordagem foi realizada com violência, assemelhada à tortura.

O laudo de corpo de delito corroborou as alegações de agressão, constatando lesões compatíveis com as descritas pelo paciente, reforçando a nulidade das provas obtidas.

As agressões perpetradas pelos agentes são de natureza grave. Não por outra razão, há a indicação de que vários trechos das gravações demonstram a tentativa dos policiais de ocultar ou dificultar a visualização das imagens da ocorrência.

É imprescindível lembrar que o Brasil ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que, em seu artigo 5.2, dispõe que “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Ademais, o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos adota, quanto às provas e atos processuais praticados ou contaminados pela tortura e tratamentos cruéis ou desumanos, a regra da exclusão, segundo a qual não se pode conferir valor probatório à prova obtida mediante coação ou à evidência que decorre de tal ação. Nessa linha, o art. 8 (3) da Convenção dispõe que “A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza”.

No mesmo sentido, o Código de Processo Penal, no art. 157, caput e § 1º, preleciona serem inadmissíveis as provas ilícitas, assim entendidas aquelas obtidas em violação às normas constitucionais ou legais, bem como as delas derivadas.

Portanto, considerando que a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Código de Processo Penal vedam o uso de provas obtidas mediante tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, devem tais provas ser consideradas nulas e desentranhadas do processo.

14.2.3. Da DECISÃO.

A abordagem policial sem fundada suspeita e com emprego de violência física, tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante configura violação aos direitos humanos e invalida as provas obtidas, as quais devem ser desentranhadas do processo.

Não há ilegalidade na abordagem pela Guarda Municipal quando caracterizada a situação de flagrante delito.

AgRg no HC 862.202-MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, por maioria, julgado em 15/10/2024, DJe 23/10/2024. Info STJ 836

15.1.               Dos FATOS.

A Guarda Municipal recebeu denúncias de moradores sobre tráfico de drogas num certo bairro. Resolveram averiguar e ao chegar ao local, Creitinho deitou o cabelo em fuga desabalada, quando largou sacola com drogas ao léu.

Após a prisão, a Defensoria alega que as provas foram obtidas ilegalmente, diante da falta de competência dos guardas municipais para realização de busca pessoal.

15.2.               Análise ESTRATÉGICA.

15.2.1. Do DIREITO.

Código de Processo Penal:

Art. 301.  Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

15.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O Supremo Tribunal Federal julgou procedente pedido formalizado na ADPF n. 995/DF, relator Ministro Alexandre de Moraes, “declarando inconstitucional todas as interpretações judiciais que excluem as Guardas Municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública“.

Ademais, não se verifica ilegalidade na ação da Guarda Municipal, porquanto a lei autoriza a qualquer do povo realizar prisão em flagrante – art. 301 do Código de Processo Penal.

No caso, não há ilicitude probatória decorrente da abordagem dos agentes da Guarda Municipal, os quais foram informados da realização de evento em específica localidade, onde estaria havendo intenso comércio de entorpecentes, inclusive mediante a intimidação de moradores locais. A fim de verificar a veracidade das informações, os guardas se deslocaram até o referido evento, sendo que um morador apontou quem eram as pessoas que estavam comercializando drogas, e o local.

Ao se aproximarem do beco indicado, os indivíduos que lá se encontravam saíram correndo. Durante a fuga, um destes indivíduos dispensou uma sacola ao solo, contendo quarenta e oito microtubos de substância posteriormente identificada como cocaína e duas buchas de maconha.

Verifica-se que a atuação da guarda municipal não decorreu de mera constatação subjetiva, mas de elementos objetivos que evidenciavam, de modo inequívoco, o flagrante delito, pois indicada a prática do crime em local determinado, as pessoas suspeitas se evadiram ao visualizar os guardas e dispensaram mercadoria do tráfico.

Mostrando-se nítida a situação de flagrante delito quando, indicada a prática do crime em local determinado, as pessoas suspeitas se evadem ao visualizar os guardas e dispensam mercadoria do tráfico, é justificada a atuação da Guarda Municipal, não havendo nulidade.

Assim, não há falar em ilegalidade da abordagem pela Guarda Municipal, ainda que não relacionada com a direta e imediata tutela do patrimônio municipal, já que sua atuação decorreu de constatação objetiva da ocorrência de flagrante delito em andamento.

15.2.3. Da DECISÃO.

Não há ilegalidade na abordagem pela Guarda Municipal quando caracterizada a situação de flagrante delito.

Não ofende o princípio da soberania dos veredictos do júri, a decisão do Tribunal de apelação que, fundamentadamente, submete o réu a novo julgamento, sob o argumento de que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária a prova dos autos.

AgRg no HC 906.637-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 5/11/2024, DJe 8/11/2024. (Info STJ 836)

16.1.               Dos FATOS.

Jacó foi denunciado e posteriormente pronunciado por homicídio, mas foi absolvido com base na tese de negativa de autoria apresentada pela defesa. O MP não concorda com a absolvição e argumenta em recurso que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, já que testemunhas presenciais relataram ter visto Jacó cometer o crime.

O TJ então deu provimento ao recurso para anular o julgamento e determinar novo júri. Inconformada, a defesa do rapaz impetrou HC e alega que a submissão a novo julgamento violaria o princípio da soberania dos veredictos.

16.2.               Análise ESTRATÉGICA.

16.2.1. Do DIREITO.

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

c) a soberania dos veredictos;

Código de Processo Penal:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:  

§ 3o  Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.  

16.2.2. Dos FUNDAMENTOS.

O sistema recursal permite a impugnação da decisão proferida pelo Tribunal do Júri, sem que isso configure afronta ao princípio da soberania dos veredictos, previsto no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal. Essa possibilidade busca assegurar os princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal. Além disso, garante a proteção do acusado contra eventuais excessos na persecução criminal e previne a atuação insuficiente do Estado na apuração da conduta delituosa.

Nesse sentido, o veredicto do Tribunal do Júri somente pode ser cassado pelo Tribunal de origem quando se revelar manifestamente contrário à prova dos autos, em situações de decisões dissociadas das provas produzidas.

Essa recorribilidade, entretanto, é limitada, não se admitindo uma segunda apelação pelo mesmo motivo, consoante o previsto no art. 593, § 3º, do Código de Processo Penal, garantindo-se, assim, a mais estrita observância ao princípio da soberania dos veredictos, ainda que a decisão dos jurados não encontre, mais uma vez, respaldo na prova dos autos.

No caso, o Tribunal a quo amparado em fundamentação concreta e adequada concluiu que a decisão do conselho de sentença foi contrária a prova dos autos, uma vez que afirmou que os jurados absolveram o réu por negativa de autoria, apesar de testemunha ter presenciado o acusado matar a vítima, tendo ele somente negado a autoria delitiva e não produzido nenhum elemento probatório que pudesse refutar o depoimento das testemunhas presenciais.

Na linha da jurisprudência do STJ, “não afronta ao princípio da soberania dos veredictos do júri, previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Constituição da República, a decisão devidamente fundamentada do Tribunal a quo que submete o réu a um novo julgamento, sob o argumento de que o Conselho de Sentença baseou-se nas manifestações isoladas dos acusados, em clara contrariedade ao arcabouço probatório acostado aos autos.” (HC 364.824/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 12/9/2016).

16.2.3. Da DECISÃO.

Não ofende o princípio da soberania dos veredictos do júri, a decisão do Tribunal de apelação que, fundamentadamente, submete o réu a novo julgamento, sob o argumento de que a decisão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária a prova dos autos.

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Fonte: Estratégia Concursos

Download disponível – Informativo STJ 836 Comentado



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