Apostilas em PDF – A história da minha mãe imparável, nomeada aos 60 anos

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Brasília ainda engatinhava sobre seus pilotis quando Ivonete e sua família foram expulsos de uma invasão conhecida como IAPI. Foram parar num terreno descampado, recém-batizado de Ceilândia, nome que, na origem, derivava da sigla militar CEI, “Campanha de Erradicação de Invasões”. Era como se o sistema dissesse em alto e bom som que a pobreza não tinha espaço na nova capital. 

Ali, onde hoje vemos avenidas e comércio, havia apenas chão de terra batida e postes sem fiação. Nenhuma torneira, nenhuma lâmpada, nenhuma qualidade de vida. Vez ou outra apareciam umas cobras miúdas que o meu avô matava a pauladas antes de sair para o trabalho no grande canteiro de obra que era Brasília.

Aos sete anos, Ivonete já equilibrava na cabeça latas de vinte litros de água. Fazia três viagens diárias para que oito pessoas pudessem beber, cozinhar, lavar-se; simplesmente existir. Quem quisesse brincar depois da escola precisava primeiro dar conta dessa tarefa — e torcer para que o sol não castigasse demais o couro cabeludo e a trilha não estivesse escorregadia. Era a infância da “lata d’água na cabeça” como diz a canção, só que sem refrão romântico e sem plateia.

O pai, homem de 1,90 m e mãos calejadas, trocou o serrote por um uniforme quando um pelotão de policiais o abordou em cima de um telhado: “Topa virar guarda?”. Em uma época ainda sem concurso público ou prova, foi designado às pressas ao GEB — Grupo Especial de Brasília — para vigiar detentos no então presídio-modelo da cidade. O salário melhorou, e os presos, agradecidos pelo tratamento decente, de vez em quando mandavam brinquedos para os filhos do vigilante. Foi assim que Ivonete, aos nove anos, ganhou seu primeiro ovo de Páscoa, que repartiu em finas lascas entre irmãos e vizinhos.

Mas o pai também trazia para casa os ecos da violência que testemunhava nas celas. Embriagado, descarregava cintadas movidas por rancores que ninguém sabia nomear. A mãe, semianalfabeta, erguia-se como escudo humano. Depois, ajeitando a gola rasgada, sussurrava: “Estuda, menina. A pobreza não suporta um diploma.” Aquelas palavras atravessaram a pele e foram parar na medula.

Na escola pública, Ivonete virou habitué da biblioteca. Nas férias, viajava pelas páginas dos livros. O vocabulário cresceu como trepadeira, até que os professores sugeriram o caminho natural: tornar-se normalista, rota segura para um contracheque. Naquele tempo, o salário de professor no Distrito Federal era muito bom, tanto que na Ceilândia corria até um dito popular: “Quem casa com professora dá golpe do baú.”

Aos 17 anos, Ivonete já alfabetizava turmas às sete da manhã, ensinando as letras onde antes havia só poeira. A rotina continuava dura. A jovem acordava às seis, dava aula o dia todo, seguia para a faculdade de Pedagogia em dois ônibus lotados e só chegava em casa depois da meia-noite. A rota noturna era perigosa. No programa do lendário locutor Mário Eugênio, não faltavam relatos sobre criminosos nas redondezas. Mas nenhuma sombra a alcançou. “Deus me escoltava”, diz.

Seu sonho verdadeiro, no entanto, era o Direito. Recém-casada e com dois filhos pequenos, passou no vestibular, tirou a maior média do curso, foi aprovada na OAB de primeira. Escrevia sobre abuso sexual infantil enquanto as crianças cochilavam. Mais tarde, mergulhou no mestrado sobre o mesmo tema. Recolheu depoimentos em fóruns e delegacias. No doutorado, analisou a Lei Maria da Penha sob a ótica da justiça restaurativa. Entrevistou juízes, agressores e vítimas durante um ano inteiro em uma Ceilândia que ainda sangrava — e sangra — nas estatísticas.

Em 2002, prestou concurso para analista do Senado. Gabaritou Direito do Trabalho e Constitucional, mas tropeçou por um mísero ponto no famigerado Raciocínio Lógico. Foi o tapa invisível que derruba sem quebrar. Magoada, fechou os códigos e aceitou o convite para lecionar na Universidade Católica. Passaria ali quinze anos ensinando Direito Constitucional a quem tinha metade da sua idade — e o dobro de certezas.

O tempo correu. Um filho se casou e o outro cruzou o hemisfério para viver de música. O ninho vazio se fez presente. Foi então que Ivonete, já na casa dos cinquenta, tirou do congelador a brasa de um sonho antigo: trabalhar no Legislativo. Quando a Câmara Legislativa do DF lançou um edital com vaga na área que era sua paixão, Direitos Humanos, a mulher mergulhou de cabeça, como quem tenta resgatar a própria identidade do fundo de águas turvas. 

Todo domingo, ela traçava um cronograma no qual dividia as disciplinas em três grandes blocos e alternava os estudos, para que nada esfriasse. Com memória visual — daquelas que permitem lembrar o preço dos produtos no caixa do mercado —, rabiscava resumos em cadernos grossos. Preencheu dezenas deles. Também assistiu a incontáveis videoaulas, leu centenas de PDFs e resolveu mais de 35 mil questões. Tudo na plataforma do Gran, é claro. Ao perceber que seu perfil acadêmico a prejudicava nas provas, criou duas personas entre as quais se alternava conforme a necessidade: “A pesquisadora procura pelo em ovo; a concurseira, não.”

Uma hora o corpo cobrou a conta. Cotovelos inflamados exigiram infiltrações. Punhos dormentes pediram órtese. Um médico falou em cirurgia. Ivonete prendeu a tala e seguiu firme. “Se eu paro, saio da fila, e quem sai da fila não vê a porta abrir.”

Então veio a pandemia. Tudo congelou de novo: edital, esperança, prazos. Anos depois da prova, quando muitos já tinham até rasgado o comprovante de inscrição, o celular vibrou numa segunda-feira: era o presidente da Câmara anunciando a nomeação. Às 14 horas de 25 de fevereiro de 2025, Ivonete Granjeiro assinava o termo de posse. Às 9 horas do dia seguinte, já estava de crachá exercendo suas atividades na Procuradoria Especial da Mulher. Ali, encontrou um ambiente de excelência onde trabalha em projetos de autonomia financeira, empreendedorismo feminino, prevenção à violência doméstica. “É como se todas as lutas convergissem aqui”, resume.

Nos fins de semana, troca os códigos por clássicos da literatura. Releu “Crime e Castigo”, de Dostoiévski. Devora “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus. Empilha títulos e mais títulos adquiridos na Amazon. Entre um capítulo e outro, monta castelos de Lego com os netos, crianças que ainda não compreendem os sacrifícios da avó para se tornar concursada, mas já percebem que ali habita uma força diferente.

Quando a entrevistam, querem saber seu segredo, mas ela devolve a pergunta “Você sabe o que quer? Aceita o preço?”

Para Ivonete, sucesso é escada de barro: degraus úmidos, instáveis, vencidos com os pés firmes e sem salto. A idade? Não passa de nota de rodapé quando o que estampa a capa é o propósito. E, se alguém ousa achar impossível, ela lembra que é a primeira graduada, a primeira mestre, a primeira doutora, a primeira consultora legislativa da família. 

Foco, esforço e fé formam as três latas d’água que ela ainda carrega — agora, transbordando futuro. “Meu trajeto é farol, não troféu.”, sintetiza.

A crônica sobre minha mãe termina aqui. Mas a fila continua. Você está nela ou já deixou a porta fechar?

Assista à entrevista completa com Ivonete AQUI.

Em frente à CLDF, minha mãe exibe o termo de posse (fev/25).

Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha de perto o universo dos concursos desde muito cedo. Ingressou nele, profissionalmente, aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanalmente para o blog do Gran. Formou-se em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Em 2021, foi incluído na prestigiada lista da Forbes Under 30. Autor de 4 livros que figuraram entre os best-seller da Amazon Kindle.

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Fonte: Gran Cursos Online

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