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Cícero Robson Coimbra Neves[1]
A Lei n. 14.688/2023 revogou as alíneas “f” e “g” do art. 55 do Código Penal Militar, além dos artigos 64 e 65 do mesmo Código, eliminando da lei penal militar as penas de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função e de reforma. Igualmente, revogou o art. 127 que tratava especificamente da prescrição da pretensão punitiva e executória no caso dessas penas.
Também, ecoando a alteração da Parte Geral, os tipois penais em espécie que possuíam essas penas em seu preceito secundário conheceram alteração, grafando-se penas privativas de liberdade. Foi o que aconteceu com os crimes dos arts. 170, 174, 197, 198, 201, 204, 266, 324 e 340.
Incursionando brevemente sobre as extintas penas, a suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função, prevista outrora no revogado art. 64 do CPM, consistia na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado pelo tempo determinado na sentença, sem prejuízo de seu comparecimento regular à sede do serviço, comparecimento esse cuja periodicidade não estava expressa na lei, o que poderia ser livremente fixado na sentença condenatória.
O tempo da suspensão (afastamento etc.) não era computado como de serviço, para nenhum efeito, conforme dispunha o próprio artigo.
O parágrafo único do art. 64 do CPM previa que, caso o militar já fosse inativo no momento da condenação, a pena seria convertida em detenção de três meses a um ano, quando se discutia se era possível substituir a pena de detenção resultante da aplicação do parágrafo único do art. 64 do CPM, pela pena de prisão, nos termos do art. 59 do mesmo Código, para o que não enxergávamos impeditivo legal, já que a condenação seria a pena no máximo de detenção até um ano, atendendo ao quantum definido no art. 59 do CPM[2].
A outra pena extinta pela Lei n. 14.688/2023 foi a pena de reforma, disciplinada no revogado art. 65 do Código Penal Militar.
Essa pena sujeitava o condenado à situação de inatividade, não podendo perceber mais que um vinte e cinco avos do soldo por ano de serviço, nem importância superior à do soldo. Podia ser modalidade alternativa, como se verificava nos arts. 170, 201 e 204, ou cumulativa – embora não obrigatória – de pena (para oficial), como no caso do art. 266 do CPM.
Não se confundia a reforma, pena criminal, com a reforma administrativa disciplinar, constante nos diplomas disciplinares. Nesta, a sanção é aplicada por autoridade administrativa, em decorrência de infração disciplinar. Aquela, por sua vez, será imposta por autoridade judicial, em face do cometimento de crime.
Entendíamos que a pena de reforma era inconstitucional, acompanhando Jorge Alberto Romeiro[3], por tratar-se de sanção penal de caráter perpétuo, o que é vedado pelo art. 5º, XLVII, b, da CF.
Deve-se recordar que a discussão sobre a constitucionalidade ou não da pena de reforma não impedia a condenação pelos crimes acima enumerados, uma vez que ao lado da dessa pena sempre havia outra pena possível de ser aplicada no caso concreto. Exemplificativamente, no caso do crime de prática de comércio por oficial (art. 204 do CPM), embora fosse possível pelo preceito secundário a aplicação de reforma, devia-se optar pela condenação à pena de suspensão do exercício do posto.
Todas essas discussõe, repita-se, foram superadas, pois as penas de reforma e de suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função foram revogadas pela Lei n. 14.688/2023, que reformou o CPM.
Entretanto, conhecer essas penas e as discussões acerca delas tem sua validade contemporânea para a interpretação do CPM, especificamente em alguns tipos penais militares, onde a fixação, por exemplo, da pena de suspensão do exercício do posto era o único indício a restringir a sujeição ativa.
Expliquemos melhor com um exemplo, o do crime de ordem arbitrária de invasão, que possuía a seguinte previsão no CPM:
Art. 170. Ordenar, arbitrariamente, o comandante de força, navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado a entrada de comandados seus em águas ou território estrangeiro, ou sobrevoá-los:
Pena – suspensão do exercício do posto, de um a três anos, ou reforma.
Perceba-se que o preceito secundário cominava a pena de suspensão do exercício do posto apenas, o que conduzia a uma interpretação lógica sobre o sujeito ativo deste crime, conforme dispunhamos:
• Sujeitos do delito: o sujeito ativo é o Comandante de força, navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado, porquanto não se exige apenas a qualidade de militar, mas ainda que esse militar esteja na função de Comandante das frações que o tipo consagra.
Embora o tipo também não grafe expressamente a palavra “militar”, a utilização do termo “Comandante” exclui a possibilidade de sujeição ativa por civis e inativos, exceto, neste caso, se empregados na Administração Militar e designados para a função de Comandante.
Ademais, focando a análise no preceito secundário, exige-se que o Comandante de força, navio, aeronave ou engenho de guerra motomecanizado seja Oficial, sob pena de não haver subsunção para o fato se o autor for Praça ou Praça Especial. Com efeito, embora o preceito primário não deixe tal situação clara, a pena do delito, ao ser fixada em suspensão do exercício do posto, de um a três anos, ou reforma, atrela o cometimento do delito aos Oficiais, pois somente eles possuem posto[4].
Ocorre que a pena do delito foi alterada para detenção de 1 a 2 anos, eliminando o veio interpretativo que tínhamos. Deve-se investigar, nesse contexto, se houve, em função da alteração da pena, uma redefinição da interpretação acerca do sujeito ativo, no que entendemos que não.
Quando o legislador idealizou o tipo penal, por razões de política criminal, entendeu por bem apenas restringir a resposta penal ao oficial que fosse comandante de força, navio etc., de sorte que essa interpretação deve ser mantida, pois a alteração visou, agora, simplesmente conferir reprovação mais severa à conduta, com privação de liberdade em vez da suspensão do exercício do posto, susciytando a redefinição do sujeito ativo apenas por acidente.
Entendemos que, por uma interpretação, quanto aos meios, teleológica, sob os aspectos objetivo e subjetivo – alguns podem preferir a interpretação histórica, neste caso –, deve-se seguir com a interpretação primeira, quando do surgimento da lei penal militar, para o sujeito ativo.
A redefinição da interpretação de elementos do preceito primário, ao nosso sentir, apenas pode ocorrer com uma clara indicação nesse sentido pelo legislador, por exemplo, com a efetiva alteração do preceito primário, ou com a evidente mensagem na justificação da alteração, mas não de maneira acidental, por alteração do preceito secundário.
Outros artigos do CPM, que também tiveram alteração do preceito secundário, devem conhecer a mantença da interpretação que se dava antes da reforma, caso dos crimes dos arts. 198 e 201, ambos do Código Penal Castrense.
REFERÊNCIAS:
NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2023.
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1994.
[1] Promotor de Justiça Militar. Mestre e doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Ciências Policias de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar do estado de São Paulo.
[2] NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2023, p. 626.
[3] ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 173.
[4] NEVES, Cícero Robson Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de direito penal militar. Salvador: Jus Podivm, 2023, p. 1.067.
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Fonte: Gran Cursos Online