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A inteligência artificial está cada vez mais presente em muitas dimensões da vida social, da recomendação de filmes nas plataformas digitais à análise de casos complexos no Poder Judiciário. Com esse avanço, cresce a necessidade de entender como as máquinas chegam às suas conclusões. É nesse cenário que se destaca o princípio da explicabilidade, um dos pilares da ética em IA.
Para entender melhor, pense em uma prova de concurso: não basta marcar a alternativa correta, muitas vezes é preciso justificar a resposta e mostrar o raciocínio que levou até ela. Do mesmo modo, a explicabilidade exige que os sistemas de IA revelem, de forma clara e acessível, os critérios e etapas que conduziram a determinada decisão.
Explicabilidade é a capacidade de um sistema de IA apresentar, em linguagem clara e acessível, os caminhos que levaram a uma predição ou decisão. Em outras palavras, assemelha-se ao momento em que um professor solicita ao aluno que mostre o cálculo em uma questão: não basta informar o resultado, é preciso revelar as etapas que o justificam.
No campo jurídico, essa exigência ganha ainda mais relevância. Decisões judiciais e administrativas apoiadas por IA podem afetar diretamente direitos fundamentais, como acesso à justiça, emprego e crédito. Por isso, a questão não se limita à eficiência tecnológica; envolve um compromisso com transparência e justiça social.
A Resolução nº 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece a explicabilidade como princípio normativo ao estabelecer, no art. 4º, XVIII, a necessidade de “compreensão clara, sempre que tecnicamente possível, de como as decisões são tomadas pela IA”. Esse reconhecimento coloca a ética no centro do uso de tecnologias no Judiciário e reforça a importância de decisões compreensíveis.
Pesquisadores como Morato e Nunes (2025) defendem que a explicabilidade não é um detalhe técnico ou uma mera formalidade regulatória, mas um princípio estruturante nas áreas sensíveis. Isso significa orientar todo o ciclo de vida do sistema, do desenho inicial à implementação e ao monitoramento contínuo.
O oposto da explicabilidade é a opacidade algorítmica, frequentemente chamada de caixa-preta. Nesses casos, conhece-se apenas o resultado produzido pela IA, sem acesso ao raciocínio que o originou. Em contextos críticos, essa opacidade é especialmente perigosa, pois dificulta a contestação, a auditoria e o controle público das decisões automatizadas.
A explicabilidade funciona como uma ponte entre a técnica e a sociedade. Ao traduzir processos algorítmicos complexos em formas compreensíveis, seja por relatórios, visualizações ou justificativas lógicas, ela fortalece a confiança dos usuários e amplia o controle democrático sobre a tecnologia.
Outro aspecto essencial é a identificação de vieses e discriminações presentes em modelos de IA. Se um sistema de seleção privilegia determinados perfis sem justificativa legítima, explicações claras permitem detectar e corrigir o problema. Isso aproxima a ética da IA de valores fundamentais como igualdade, diversidade e não discriminação.
Em termos sociais, a explicabilidade qualifica o debate público. Quando a sociedade entende como algoritmos influenciam decisões, da concessão de crédito às recomendações políticas, o diálogo democrático torna-se mais robusto. A transparência tecnológica ajuda a reduzir manipulações e a promover maior autonomia cidadã.
Apesar de seu valor, a explicabilidade enfrenta desafios concretos. Modelos avançados, como redes neurais profundas com milhões de parâmetros, dificultam a abertura da caixa-preta sem simplificações. Ainda assim, a posição de pesquisadores e reguladores é clara: mesmo em sistemas complexos, é preciso fornecer explicações proporcionais, que permitam ao usuário compreender, avaliar e, quando necessário, contestar decisões automatizadas.
Em síntese, a explicabilidade deve ser vista como um compromisso ético coletivo. Desenvolvedores, gestores e usuários compartilham a responsabilidade de tornar sistemas de IA compreensíveis e auditáveis. No contexto atual, em que algoritmos influenciam decisões importantes em escala global, esse princípio é indispensável para sustentar a confiança, a legitimidade e o respeito aos direitos fundamentais.
Tiago Carneiro Rabelo
Especialista em Direito Digital e Graduando CST em Inteligência Artificial
Analista do TJDFT. Autor. Professor no GRAN.
@prof.tiagorabelo (redes sociais)
Fonte: Gran Cursos Online