Apostilas em PDF – o entendimento do STJ sobre falsa identidade como crime formal

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Conteúdo liberado – Informativo STJ Ed Extraordinária 27 Parte 1 Comentado

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 2.083.968-MG, estabeleceu importante precedente acerca do crime de falsa identidade, tipificado no artigo 307 do Código Penal. Trata-se de uma decisão paradigmática que reforça a natureza formal do delito, com implicações diretas na análise da consumação do crime, independentemente de qualquer resultado naturalístico decorrente da conduta do agente.

A decisão foi proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1255), o que significa que deverá ser aplicada de forma uniforme por todos os tribunais do país em casos análogos. O STJ deixou claro que o simples fornecimento voluntário de dados falsos sobre a própria identidade já configura o crime, sem necessidade de qualquer vantagem obtida ou prejuízo causado.

A falsa identidade, portanto, não exige que o agente tenha obtido benefício com a mentira ou que alguém tenha sido efetivamente enganado. O que basta é a conduta dolosa de atribuir-se falsa identidade perante autoridade ou terceiros, com o claro intuito de ocultar a verdadeira.

Esse entendimento firma-se na concepção de que o bem jurídico tutelado pela norma penal é a fé pública, que não depende de resultado concreto para ser lesada. Basta que haja a tentativa de manipular essa confiança que o Estado e a sociedade depositam na veracidade da identificação pessoal.

Na prática, isso significa que aquele que se apresenta com nome falso em uma abordagem policial, mesmo que não obtenha qualquer vantagem ou não consiga induzir ninguém ao erro, já estará cometendo o delito de falsa identidade. A consumação ocorre no momento em que a informação falsa é fornecida, consciente e voluntariamente.

O STJ afastou de vez qualquer exigência de que o agente obtenha algum proveito ou que a autoridade pública seja efetivamente enganada. A simples tentativa de enganar já afronta a ordem jurídica e a fé pública. Trata-se de crime de perigo abstrato, no qual o risco à confiança coletiva é presumido pela própria conduta típica.

Essa orientação jurisprudencial também se alinha com a necessidade de garantir maior segurança jurídica na atuação das autoridades públicas. A identificação correta dos cidadãos é elemento essencial para o exercício regular das funções estatais, especialmente no campo da segurança pública e da persecução penal.

Ademais, o julgado reafirma a importância da voluntariedade e do dolo específico na caracterização do crime. Não se pune aquele que, por erro ou confusão, fornece dados incorretos sem a intenção de enganar. É imprescindível que o agente tenha plena consciência de que está ocultando sua identidade verdadeira e tenha vontade deliberada de assim proceder.

A decisão também oferece importante contribuição para o campo probatório. Como o crime se consuma com o simples fornecimento de dados falsos, a prova pode ser colhida no próprio momento da abordagem, por meio de relatos de testemunhas, gravações de áudio e vídeo, ou outros meios que evidenciem a conduta do agente.

Outro ponto relevante é que essa definição reforça o papel preventivo do Direito Penal, ao punir condutas que, ainda que não causem dano imediato, colocam em risco valores essenciais à vida em sociedade. A integridade do sistema de identificação pessoal é um desses valores.

Essa posição do STJ tende a uniformizar entendimentos antes divergentes nos tribunais inferiores, em que, por vezes, se exigia a demonstração de que o agente efetivamente obteve vantagem ou que a autoridade foi iludida. Agora, prevalece a interpretação técnico-jurídica centrada na objetividade da conduta.

Do ponto de vista dogmático, o julgado reforça a classificação do crime de falsa identidade como crime formal, de consumação antecipada, o que afasta a exigência de qualquer resultado naturalístico. Essa é uma distinção clássica e fundamental entre crimes materiais, formais e de mera conduta, e que precisa ser bem compreendida por operadores do Direito.

Para advogados criminalistas, defensores públicos, promotores e juízes, essa definição é relevante tanto na atuação prática quanto na elaboração de estratégias processuais. A linha entre a tentativa e a consumação é muitas vezes tênue, e neste caso, o STJ traça uma linha clara e objetiva: a mentira consciente sobre a própria identidade já é o suficiente.

Em suma, o julgamento do REsp 2.083.968-MG oferece uma interpretação firme e coerente com a proteção da fé pública e da atuação estatal, ao tratar a falsa identidade como crime formal. O Direito Penal, nesse ponto, cumpre sua função de zelar por valores essenciais à vida civilizada — entre eles, a confiança no que cada pessoa afirma ser. Afinal, no mundo jurídico, nomes importam — e mentir o seu pode ser mais grave do que parece.

Autora: Carolina Carvalhal Leite. Mestranda em Direito Penal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal; e, Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público. Graduada em Direito pelo UniCeub – Centro Universitário de Brasília em 2005. Docente nas disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Extravagante em cursos de pós-graduação, preparatórios para concursos e OAB (1ª e 2ª fases). Ex-servidora pública do Ministério Público Federal (Assessora-Chefe do Subprocurador-Geral da República na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC). Advogada inscrita na OAB/DF e OAB/SC.

Fonte: Gran Cursos Online

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