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Avançamos em nossa caminhada jurisprudencial. Chegou a hora do Informativo nº 823 do STJ COMENTADO. Pra cima dele!

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RECURSO ESPECIAL

O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja inferior ao novo piso fixado no caput do art. 8º da Lei 12.514/2011, previsto no § 2º do artigo referido (acrescentado pela Lei 14.195/2021), o qual constitui norma de natureza processual, que deve ser aplicada de imediato, alcança os executivos fiscais em curso, ressalvados os casos em que concretizada a penhora.

REsp 2.030.253-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/8/2024. (Tema 1193). (Info STJ 823)

1.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de recurso julgado sob o rito dos recursos repetitivos que visa uniformizar decisão sobre a aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei 14.195/2021, no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, que autoriza o arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja inferior ao piso, às execuções fiscais propostas por conselhos profissionais, antes de sua entrada em vigor.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.514/2011:

Art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não obsta ou limita a realização de medidas administrativas de cobrança, tais como a notificação extrajudicial, a inclusão em cadastros de inadimplentes e o protesto de certidões de dívida ativa.    

§ 2º Os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput deste artigo serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. 

1.2.2.    Aplica desde quando?

R: Desde já, ressalvados os casos em que concretizada a penhora.

Cinge-se a controvérsia sobre à aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei 14.195/2021, no art. 8º da Lei n. 12.514/2011, às execuções fiscais propostas por conselhos profissionais, antes de sua entrada em vigor.

A Lei n. 12.514/2011, bem como a Lei n. 14.195/2021 (que promoveu alteração no sistema de cobranças realizadas pelos conselhos profissionais) racionalizaram o ajuizamento de execução fiscal para fins de cobrança das anuidades em atraso.

Conforme consignado nos debates ocorridos durante a tramitação legislativa (conversão da Medida Provisória n. 1.040/2021), trata-se de “medida salutar para o funcionamento da Justiça brasileira”, sobretudo em razão do número expressivo de executivos fiscais ajuizados pelos conselhos profissionais. Em suma, o objetivo da MP 1.040/2021 era “melhorar o ambiente de negócios no Brasil, bem como impactar positivamente a posição do país na classificação geral do relatório “Doing Business do Banco Mundial”.

Da “justificação” da emenda legislativa que promoveu a alteração no art. 8º, caput e parágrafos, da Lei n. 12.514/2011, pode ser extraído o seguinte excerto: “[…] A presente emenda, neste sentido, traz normas que racionalizam a cobrança judicial e extrajudicial de valores devidos ao Conselhos Profissionais tratados na Lei n. 12.514, de 28 de outubro de 2011. […] Neste sentido, as medidas propostas pretendem reduzir o tempo de tramitação das ações de cobrança, dando-lhes maior eficiência e reduzindo a alta taxa de congestionamento dos processos de execução, contribuindo para a melhoria global dos indicadores de congestionamento do judiciário que afetam os resultados do país no ranking global de ambiente de negócios […]”.

A despeito do expressivo volume de executivos fiscais que congestionam o Poder Judiciário, inclusive aos que decorrem de “cobranças de autarquias profissionais”, não houve explicitação do objetivo da regra inserida no § 2º do art. 8º da Lei n. 12.514/2021. Observa-se que o disposto no caput do artigo referido foi alterado, no sentido de ampliar a restrição em relação a novos executivos fiscais, conforme a seguinte redação: “art. 8º Os Conselhos não executarão judicialmente dívidas, de quaisquer das origens previstas no art. 4º desta Lei, com valor total inferior a 5 (cinco) vezes o constante do inciso I do caput do art. 6º desta Lei, observado o disposto no seu § 1º”.

O § 1º, por sua vez, decorreu da renumeração do antigo parágrafo único, embora com expressivo aperfeiçoamento, no que concerne ao incentivo para a realização de medidas administrativas de cobrança, nos seguintes termos: “§ 1º O disposto no caput deste artigo não obsta ou limita a realização de medidas administrativas de cobrança, tais como a notificação extrajudicial, a inclusão em cadastros de inadimplentes e o protesto de certidões de dívida ativa”.

Em suma, pode-se afirmar que a novidade efetiva é a regra inserida no § 2º do art. 8º da Lei n. 12.514/2011, a qual prevê que: “2º Os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput deste artigo serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980.” Como se observa, o § 2º impõe que os executivos fiscais de valor inferior ao previsto no caput serão arquivados, sem baixa na distribuição das execuções fiscais, sem prejuízo do disposto no art. 40 da Lei n. 6.830/1980.

Em relação ao Tema Repetitivo 696 (REsp 1.404.796-SP), a norma controvertida era a prevista no caput do artigo referido (em sua redação anterior). Na presente afetação, a norma controvertida efetivamente é o respectivo § 2º.

Embora observe-se que o legislador não tenha explicitado o objetivo da regra inserida no § 2º do art. 8º da Lei n. 14.195/2011, a sua não aplicação às execuções fiscais em curso implicaria negar-lhe vigência.

Ressalte-se que a sua aplicação imediata não viola o disposto no art. 14 do CPC (“art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”), ou seja, não há falar em retroatividade ou desrespeito às situações consolidadas na vigência da norma revogada.

Desse modo, fixou-se a seguinte tese: “O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja inferior ao novo piso fixado no caput do art. 8º da Lei n. 12.514/2011, previsto no § 2º do artigo referido (acrescentado pela Lei n. 14.195/2021), o qual constitui norma de natureza processual, que deve ser aplicada de imediato, alcança os executivos fiscais em curso, ressalvados os casos em que concretizada a penhora”.

1.2.3.    Resultado final.

O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja inferior ao novo piso fixado no caput do art. 8º da Lei 12.514/2011, previsto no § 2º do artigo referido (acrescentado pela Lei 14.195/2021), o qual constitui norma de natureza processual, que deve ser aplicada de imediato, alcança os executivos fiscais em curso, ressalvados os casos em que concretizada a penhora.

RECURSO ESPECIAL

Diante da conexão existente entre as ações populares que possuem como objeto litigioso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ainda que sob os mais diversos pretextos (conforme se verifica das razões de decidir no CC 19.686/DF, STJ), a superveniência de sentença transitada em julgado em uma delas (REO 2002.01.00.034012-6; TRF 1ª Região) possui eficácia de coisa julgada oponível “erga omnes”, nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65, motivo pelo qual a parte dispositiva deve recair sobre todas as ações populares que possuem o mesmo objeto.

REsp 1.806.016-PA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/8/2024 (IAC 7). (Info STJ 823)

2.1.  Situação FÁTICA.

Trata-se de recurso especial julgado em Incidente de Assunção de Competência e envolve diversas ações populares ajuizadas em todo o Brasil com o objetivo de discutir múltiplos aspectos do Programa Nacional de Desestatização (Lei n. 8.031/1990), em especial a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Em algumas das referidas ações populares, houve sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito, o que foi reformado pelos Tribunal locais, que insistiam em determinar o prosseguimento em primeiro grau de jurisdição e, essencialmente, iniciar a fase instrutória com a determinação de realização de perícia. Acontece que há ações populares e ACPs ajuizada pelo Ministério Público Federal sobre o mesmo caso, os quais foram julgadas improcedentes, inclusive com trânsito em julgado. Verifica-se, portanto, a existência de decisões judiciais, aparentemente incompatíveis, em relação à mesma questão jurídica, questão a ser analisada pelo STJ.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei 4.717/1965:

Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível “erga omnes”, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova

2.2.2.    Eficácia erga omnes?

R: Mas é claro!!!

O caso em discussão se insere no contexto da privatização da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD e envolve diversas ações populares ajuizadas em vários Estados e no Distrito Federal com o objetivo de discutir múltiplos aspectos do processo fundado no Programa Nacional de Desestatização instituído pela Lei n. 8.031/1990.

Em algumas das referidas ações populares, houve sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito, o que foi reformado pelo Tribunal de origem para determinar o prosseguimento em primeiro grau de jurisdição e, essencialmente, iniciar a fase instrutória dos processos com a determinação de realização de perícia. Por outro lado, há outras ações populares e ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal sobre o mesmo caso que foram julgadas improcedentes, inclusive com trânsito em julgado. Inegável, portanto, a existência de decisões judiciais, aparentemente incompatíveis, em relação à mesma questão jurídica.

Cinge-se a controvérsia, portanto, quanto a: “a.1) configuração de coisa julgada, em virtude do trânsito em julgado de ações populares e de ação civil pública relacionadas ao caso concreto; a.2) aplicação da teoria do fato consumado, ante a consolidação da situação fática da privatização; a.3) existência de ilegalidade e lesividade no âmbito da ação popular diante da aprovação pelo Tribunal de Contas da União do processo de desestatização da Companhia Vale do Rio Doce, bem como do reconhecimento de inexistência de dano ao patrimônio público em face da avaliação da participação acionária da União na empresa privatizada. a.4) julgamento extra petita proferido pelo Tribunal de origem em reexame necessário”.

A primeira atuação do Superior Tribunal de Justiça em questão relacionada ao litígio se deu no julgamento do Conflito de Competência n. 19.686/DF, em que o STJ determinou a centralização para processamento das primeiras 27 ações populares no Juízo da 4ª Vara da Seção Judiciária do Pará-SJ/PA, ao fundamento da inegável conexão em todas as ações populares analisadas no incidente em que, sob os mais diversos fundamentos, visavam impedir a privatização da CVRD.

No julgamento do Conflito de Competência supramencionado, consta que, “ao fim e ao cabo, as ações populares envolvidas no conflito, com variações de reduzida significação nos respectivos fundamentos (fáticos e jurídicos), objetivam de forma clara e evidente, impedir a venda da empresa Vale do Rio Doce ou por ilegalidade ou inconstitucionalidade de um ou alguns dos atos preparatórios, por sub-avaliação de bem ou bens que integram o seu patrimônio, ou, finalmente, por se entender que determinados bens (ou empresas) devem ser excluídas da avaliação (ou da venda), cuja alienação, segundo afirmam, é lesiva ao patrimônio da União“.

Evidenciada a conexão, a observância dos efeitos processuais, como a reunião dos processos, atende a caros valores democráticos, quais sejam, a estabilidade das relações jurídicas e a proteção da confiança nas instituições, garantidos na unidade do provimento jurisdicional a ser proferido, nos termo do art. 18 da Lei 4.717/1965: “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova“.

Ocorre que, não obstante tal reconhecimento e o superveniente ajuizamento de diversas outras ações populares inseridas no contexto da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o Tribunal Regional da 1ª Região conferiu solução diversa a casos conexos: a) mantendo sentença de improcedência a fim de reafirmar a aplicação da teoria do fato consumado (na hipótese, importa mencionar como paradigma o julgamento da Remessa Ex Officio n. 2002.01.00.034012-6/PA; Processo da origem n. 95.0007451-6; já transitada em julgado); b) reformando a sentença para reconhecer a necessidade de realização de prova pericial destinada a verificar os critérios de avaliação do patrimônio da CVRD, como no presente caso.

A disparidade da conclusão jurídica foi justificada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao argumento de que somente as questões relacionadas aos aspectos formais do edital estariam acobertadas pelo transcurso do tempo, o que não abrangeria o questionamento sobre os critérios de avaliação do patrimônio da CVRD para licitação. Todavia, tal compreensão vai de encontro às reiteradas manifestações do STJ  sobre os termos em que se reconheceu a conexão e a necessidade de julgamento único dessas ações populares, representando violação ao teor do art. 18 da Lei 4.717/1965.

Com efeito, o julgamento único, efeito da atribuição da qualidade “erga omnes” à sentença prolatada no âmbito da ação popular, decorre da compreensão de que o autor popular representa toda a sociedade civil que integra, pois não é titular exclusivo do bem jurídico e sua legitimação legal é comum a indeterminado número de pessoas. Diante de tal cenário, a autoridade da coisa julgada se estende e repercute para toda a coletividade nos estritos limites do objeto litigioso do processo que, no caso dos autos, diz respeito à privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Ademais, a sentença proferida no julgado paradigma – REO TRF 1ª Região n. 20002.01.00.034012-6 – tem como fundamento a teoria do fato consumado e aduz que “a privatização levada a efeito já produziu alterações na realidade fática que o ordenamento jurídico e o próprio Poder Judiciário não podem desconhecer, sendo mais desastroso, hoje alterar-se essa situação em detrimento de todas as mudanças já produzidas. Vale dizer, na esteira de reiterados pronunciamentos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tem-se uma situação de fato consolidada que não é mais passível de modificações”.

A aplicação da teoria do fato consumado ante a consolidação da privatização da estatal não se encaixa na exceção de que trata o art. 18 da Lei 4.717/1965, de modo que a coisa julgada com efeito “erga omnes” deve recair sobre todas as demais ações populares conexas.

Desse modo, fixa-se a seguinte tese jurídica: Diante da conexão existente entre as ações populares que possuem como objeto litigioso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ainda que sob os mais diversos pretextos (conforme se verifica das razões de decidir no CC 19.686/DF, STJ), a superveniência de sentença transitada em julgado em uma delas (REO 2002.01.00.034012-6; TRF 1ª Região) possui eficácia de coisa julgada oponível “erga omnes”, nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65, motivo pelo qual a parte dispositiva deve recair sobre todas as ações populares que possuem o mesmo objeto

2.2.3.    Resultado final.

Diante da conexão existente entre as ações populares que possuem como objeto litigioso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ainda que sob os mais diversos pretextos (conforme se verifica das razões de decidir no CC 19.686/DF, STJ), a superveniência de sentença transitada em julgado em uma delas (REO 2002.01.00.034012-6; TRF 1ª Região) possui eficácia de coisa julgada oponível “erga omnes”, nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65, motivo pelo qual a parte dispositiva deve recair sobre todas as ações populares que possuem o mesmo objeto.

RECURSO ESPECIAL

A exigência do efetivo prejuízo, em relação ao ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, prevista no art. 10, caput, da Lei n. 14.320/2021 (com redação dada pela Lei 14.320/2021) se aplica aos processos ainda em curso.

REsp 1.929.685-TO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024. (Info STJ 823)

3.1.  Situação FÁTICA.

O Governo de Tocantins realizou a contratação direta, dispensando-se a essa coisa chata de licitação, para a execução do Programa Agenda Tocantins. O MP ajuizou ação de improbidade e houve a condenação ao pagamento de multa, bem como ressarcimento ao erário.

Em recurso, o tribunal local afastou a condenação por entender que não fora comprovado o efetivo prejuízo. Inconformado, o MP sustenta em recurso especial que a dispensa indevida de licitação enseja a condenação por ato de improbidade administrativa, tendo em vista o dano, nestes casos, ser presumido, bem como a inaplicabilidade da alteração legislativa aos processos em curso.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 14.230/2021:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

3.2.2.    Aplicável aos processos em curso?

R: Com certeza!!!

Após alterações operadas pela Lei n. 14.230/2021, a norma do art. 10, caput, da Lei de Improbidade passou a prever expressamente que “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente (…)”.

Em razão disso, o dano presumido, para qualquer figura típica do art. 10 da LIA (inclusive os incisos VIII e XI do caso) não pode mais dar suporte à condenação pela prática de ato ímprobo.

Diante desse novo cenário, os casos anteriores à alteração legal, ainda em trâmite, e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo. Sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo.

Não se trata exatamente de discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido. Na realidade, o dano presumido só foi admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no Superior Tribunal de Justiça até então, e que vinha sendo prolongadamente aplicada.

Ocorre que esse entendimento (fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ, se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano. Assim, cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir a questão.

3.2.3.    Resultado final.

A exigência do efetivo prejuízo, em relação ao ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, prevista no art. 10, caput, da Lei n. 14.320/2021 (com redação dada pela Lei 14.320/2021) se aplica aos processos ainda em curso.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

Não há necessidade de redistribuição do feito nos casos em que o relator/conselheiro de Tribunal de Contas seja vencido em decisão colegiada de natureza interlocutória (preliminar), quando inexistente previsão específica.

RMS 68.561-PB, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024. (Info STJ 823)

4.1.  Situação FÁTICA.

Em uma análise realizada pelo Tribunal de Contas Paraibano, o relator foi vencido em decisão colegiada de natureza interlocutória (preliminar). A parte vencida sustenta que, apesar de não haver previsão específica para tanto, quem proferiu o voto divergente (e vencedor) de questão preliminar não poderia prosseguir como relator do feito em si.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Necessária a redistribuição?

R: Negativo!!!!

A controvérsia consiste em saber se deve ser substituído o relator/conselheiro de Tribunal de Contas estadual quando vencido em decisão colegiada de natureza interlocutória (preliminar). Ou, em outras palavras, se quem proferiu o voto divergente (e vencedor) de questão preliminar deve prosseguir como relator do feito em si.

Em casos semelhantes, o Superior Tribunal de Justiça manteve a relatoria do feito em si com o relator original, quando este é vencido apenas na questão preliminar, ressaltando que “em tal situação, não se cogita de substituição do relator: apenas a redação do acórdão do agravo interno é que ficará a cargo do Ministro que proferiu o primeiro voto vencedor”. Nesse sentido: AgInt nos EREsp n. 1.482.089/PA, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe de 1/3/2019 e CC n. 92.406/RO, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/2/2008, DJe de 8/5/2008.

Dessa forma, considerando que o Regimento Interno do Tribunal de Contas estadual que, no caso em discussão, não previa tal espécie de modificação de competência/relatoria; bem como a inexistência de previsão no Código de Processo Civil, a resposta é seguramente negativa quanto à necessidade de substituição do relator/conselheiro vencido em decisão colegiada de natureza interlocutória.

4.2.2.    Resultado final.

Não há necessidade de redistribuição do feito nos casos em que o relator/conselheiro de Tribunal de Contas seja vencido em decisão colegiada de natureza interlocutória (preliminar), quando inexistente previsão específica.

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

A convocação fracionada de aprovados em concurso público para o provimento das vagas previstas no edital não pode implicar em restrição artificial da preferência na escolha da lotação segundo a ordem de classificação.

RMS 71.656-RO, Rel. Ministro Francisco Falcão, Rel. para acórdão Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, por maioria, julgado em 8/8/2024. (Info STJ 823)

5.1.  Situação FÁTICA.

Crementino, aluno do EC, foi aprovado em segundo lugar no Concurso Público para o cargo de analista judiciário, na especialidade “oficial de justiça”. Esclarece que fora nomeado e participou de audiência pública para escolha da comarca de lotação, conforme previsão editalícia.

Ocorre que posteriormente, cerca de 20 dias após a primeira nomeação, foram nomeados outros candidatos, seguindo a ordem de classificação no certame, com a oferta de lotação para comarcas que não constavam da primeira convocação. Salienta que teria sido preterido na escolha da lotação de comarcas mais atrativas, em detrimento de candidatos com classificação inferior, razão pela qual impetrou mandado de segurança.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    Restrição artificial na preferência de escolha?

R: Baita sacanagem!!!

No caso, o impetrante foi regularmente aprovado em concurso público para o cargo de Analista Judiciário, especialidade Oficial de Justiça, classificando-se em segundo lugar. A controvérsia limita-se à análise da existência, ou não, de sua preterição na escolha do local de lotação por candidatos classificados em posição inferior.

A autoridade impetrada, por sua vez, defendeu que o candidato, ao inscrever-se no concurso, vincula-se às condições previstas no instrumento convocatório, de modo que, após exercer o direito de escolha da comarca de lotação em primeira chamada, não poderia optar por novo local.

Ocorre, no entanto, que, na situação em apreço, segundo se constata a partir da prova pré-constituída examinada pelo Tribunal a quo, “entre o primeiro ato de nomeação – após exercida a opção de escolha pela primeira turma de convocados – e a publicação da segunda convocação para audiência pública, transcorreram apenas 20 dias”, o que configura, na espécie, inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ademais, consoante previsto no edital, a convocação dos candidatos aprovados para a audiência pública de escolha das vagas deveria obedecer à estrita ordem de classificação no concurso, de modo que o ato de priorizar candidatos aprovados em posição inferior configura, também, ofensa aos princípios da isonomia e vinculação ao instrumento convocatório.

É certo que a Administração Pública detém a prerrogativa de escolha quanto ao momento apropriado para a nomeação dos aprovados dentro do número de vagas em concurso público, durante a validade do certame. No entanto, constatada a existência de preterição arbitrária, evidencia-se o direito líquido e certo à nomeação do candidato preterido, sob pena de afronta ao disposto no inciso IV do art. 37 da Constituição da República.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar sob o regime da repercussão geral o Tema n. 784, assentou que “O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade”.

Dessa forma, na hipótese, o fracionamento das nomeações em brevíssimo espaço de tempo – apenas vinte dias – demonstra que, já na data da primeira nomeação, havia a necessidade de provimento dos cargos, bem como a existência de vagas, devendo ser assegurado aos candidatos com melhor classificação a preferência na escolha dos locais de lotação.

5.2.2.    Resultado final.

A convocação fracionada de aprovados em concurso público para o provimento das vagas previstas no edital não pode implicar em restrição artificial da preferência na escolha da lotação segundo a ordem de classificação.

RECURSO ESPECIAL

A taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil é a SELIC, sendo este o índice aplicável na correção monetária e nos juros de mora das relações civis.

REsp 1.795.982-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Corte Especial, por maioria, julgado em 21/8/2024. (Info STJ 823)

6.1.  Situação FÁTICA.

O recurso especial foi interposto por Itamarati S.A. contra acórdão do TJSP que determinou que os juros moratórios fossem calculados à taxa de 1% ao mês, em razão do disposto no art. 406 do Código Civil, combinado com a previsão do art. 161, § 1º, do CTN – Código Tributário Nacional.

A empresa alega que a taxa referida seria a SELIC.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Questão JURÍDICA.

CC:

Art. 406.  Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. 

6.2.2.    Selic ou 1%?

R: Selicouuu!!!

Após a entrada em vigor do Código Civil de 2002 – CC, a questão da taxa aplicável aos juros de mora passou a ser discutida no meio jurídico de diferentes formas. Existem, basicamente, duas diretrizes de interpretação: a) uma, que entende devida a aplicação da taxa de um por cento (1%) ao mês, em razão de necessária combinação da regra do art. 406 do CC com a do § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional – CTN; e b) em contraponto, a outra corrente, pela aplicação da taxa referencial do Sistema de Liquidação e de Custódia – SELIC, em conformidade com o art. 406 do CC.

No âmbito do direito privado, o CC não faz qualquer menção direta ao CTN. Refere apenas, genericamente, que os juros de mora “serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (art. 406). Tampouco o Código Civil exige estejam os juros de mora e a correção monetária previstos em índices oficiais separados e distintos. Ao contrário, estabelece no art. 404 que as “obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros”.

Quanto à aplicação da taxa SELIC, a norma do art. 406 do CC determina a fixação dos juros pela taxa aplicável à mora de pagamento dos impostos federais, espécie do gênero tributo. Assim, deve-se aplicar as leis especiais dos impostos federais, como por exemplo, Lei n. 9.065/1995, Lei n. 9.393/1996, entre outras, as quais determinam, como índice oficial, a taxa SELIC. Além disso, importa ressaltar que a SELIC é, a partir da Emenda Constitucional n. 113/2021, constitucionalmente prevista como única taxa em vigor para a atualização monetária e compensação da mora em todas as demandas que envolvem a Fazenda Pública.

Desse modo, é obrigatória a incidência da taxa SELIC na correção monetária e na mora, conjuntamente, sobre o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, sendo, pois, inconteste sua aplicação ao disposto no art. 406 do Código Civil de 2002. De fato, percebe-se que o legislador optou por não repetir a regra de taxa predeterminada para os juros moratórios, como o fazia expressamente o Código Civil de 1916, que aplicava a taxa de 6% por ano.

Nesse contexto, tem-se a inaplicabilidade do normativo do Código Tributário Nacional, porque a SELIC é o principal índice oficial macroeconômico, definido e prestigiado pela Constituição da República, pelas Leis de Direito Econômico e Tributário invocadas e pelas autoridades competentes. Esse indexador rege a todo o sistema financeiro pátrio. Assim, todos os credores e devedores de obrigações civis comuns devem, também, submeter-se ao índice, por força do art. 406 do CC.

6.2.3.    Resultado final.

A taxa a que se refere o art. 406 do Código Civil é a SELIC, sendo este o índice aplicável na correção monetária e nos juros de mora das relações civis.

RECURSO ESPECIAL

Não há defeito na prestação do serviço quando a instituição financeira comprova ter cumprido com seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, bem como a identidade e a qualificação dos titulares da conta, independentemente de atuar exclusivamente no meio digital.

REsp 2.124.423-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 20/8/2024, DJe 27/8/2024. (Info STJ 823)

7.1.  Situação FÁTICA.

Creosvaldo foi vítima do golpe do leilão falso, no qual se deixou iludir pelos falsários, na expectativa de adquirir veículo em quantia 70% inferior ao valor de mercado e depositou o valor do “lance” na conta em banco digital informada pelos golpistas.

Ao perceber o que ocorreu, ajuizou ação em face do Banco Digital, alegando que houve defeito na prestação de serviço do banco digital no qual foi efetuado um pagamento, em razão da facilidade na criação de conta em meio eletrônico.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Defeito na prestação do serviço?

R: Negativo!!!

O propósito recursal é decidir se houve defeito na prestação de serviço do banco digital no qual foi efetuado um pagamento por vítima do “golpe do leilão falso” em razão da facilidade na criação de conta em meio eletrônico, que foi utilizada por estelionatários.

As instituições financeiras têm a responsabilidade de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, bem como a autenticidade das informações fornecidas pelo cliente, nos termos da Resolução n. 4.753/2019 do Banco Central (BACEN), além de deverem adequar seus procedimentos às disposições relativas à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

Nos termos da Súmula 479/STJ, “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”. Assim, a responsabilidade da instituição financeira somente poderá ser afastada se comprovada a inexistência de defeito na prestação do serviço bancário ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, naquilo que determina o art.14 §3º, II, do CDC.

A peculiaridade do caso, contudo, está no fato de tratar da relação entre a vítima do estelionato e o banco em que foi criada a conta usada pelos estelionatários, instituição financeira da qual a vítima não é correntista. Por essa razão, aqui não se aplica o entendimento de que o banco deve criar mecanismos que obstem transações bancárias com aparência de ilegalidade por destoarem do perfil de compra de seus correntistas.

Cuida-se do chamado “golpe do leilão falso”, prática criminosa na qual estelionatários criam página na internet que se assemelha ao site de uma empresa leiloeira. A vítima ingressa no leilão simulado, acredita ter arrematado um bem e efetua o pagamento ao suposto leiloeiro via TED, PIX, boleto bancário ou qualquer outro meio.

Se a instituição financeira não demonstrar que cumpriu com as diligências que dela se esperava, contrariando as regulamentações dos órgãos competentes, haverá a falha no dever de segurança, configurando o defeito na prestação do serviço bancário.

Situação distinta é aquela em que a instituição financeira agiu nos termos do que preceitua o Banco Central. Aqui, em regra, não há falha na prestação do serviço.

Portanto, exigir documentação ou formalidade específica para a criação de conta no meio digital, para além do que já disciplina o Banco Central, poderia deturpar a inteligência do que foi definido e regulado pelo órgão responsável visando ao desenvolvimento econômico e social do país. Não há falha na prestação de serviço bancário quando a instituição financeira adota todos os mecanismos previstos nas regulações do Banco Central.

Destarte, independentemente de a instituição financeira atuar exclusivamente no meio digital, tendo ela comprovado que cumpriu com seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, bem como a autenticidade das informações fornecidas pelo cliente, prevenindo a lavagem de dinheiro, não se vislumbra defeito na prestação do serviço bancário que atraia a sua responsabilidade objetiva.

7.2.2.    Resultado final.

Não há defeito na prestação do serviço quando a instituição financeira comprova ter cumprido com seu dever de verificar e validar a identidade e a qualificação dos titulares da conta, bem como a identidade e a qualificação dos titulares da conta, independentemente de atuar exclusivamente no meio digital.

RECURSO ESPECIAL

É legítimo que um provedor de aplicação de internet, mesmo sem ordem judicial e por iniciativa própria, retire de sua plataforma determinado conteúdo quando este violar a lei ou seus termos de uso.

REsp 2.139.749-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024, DJe 30/8/2024. (Info STJ 823)

8.1.  Situação FÁTICA.

Dr. Creisson, médico e youtuber, ajuizou ação em face do Google na qual requer a condenação da empresa ao cumprimento de determinadas obrigações de fazer relativas a vídeos publicados durante a pandemia do Covid-19. 

O autor, médico neurologista, argumenta que tem vasta qualificação técnica e mantém no Youtube um canal para tratar de assuntos relativos à medicina. Em 2021, divulgou alguns vídeos acerca da pandemia que foram removidos pela plataforma, por alegada violação da política de spam, prática enganosa e golpe. Além disso, teve a função live bloqueada, o que o impediria de fazer vídeos ao vivo, e a redução do número de assinantes e de visualizações de vídeo no canal.

Detalhe: os vídeos foram retirados mesmo sem ordem judicial e por iniciativa própria da plataforma, por entender que houve violação de suas diretrizes.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 12.965/2014:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

8.2.2.    Legítima a derrubada?

R: “O youtube é meu e faço o que quiser…”

A controvérsia jurídica consiste em definir se uma plataforma, provedor de aplicação de internet, pode, por iniciativa própria, remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos de usuário que viole seus termos de uso aplicáveis e se tal moderação de conteúdo encontra amparo no ordenamento jurídico, notadamente na perspectiva da liberdade de expressão, da proibição da censura e da responsabilidade dos provedores.

Os termos de uso dos provedores de aplicação, que autorizam a moderação de conteúdo, devem estar subordinados à Constituição, às leis e a toda regulamentação aplicável direta ou indiretamente ao ecossistema da internet, sob pena de responsabilização da plataforma.

A moderação de conteúdo, por sua vez, refere-se à faculdade reconhecida de as plataformas digitais estabelecerem normas para o uso do espaço que disponibilizam a terceiros, que podem incluir a capacidade de remover, suspender ou tornar indisponíveis conteúdos ou contas de usuários que violem essas normas.

As plataformas têm todo o incentivo para cumprir não apenas a lei, mas, fundamentalmente, os seus próprios termos de uso (admitindo-se que eles estão em conformidade com o ordenamento jurídico), objetivando evitar, mitigar ou minimizar eventuais contestações judiciais ou mesmo extrajudiciais. Trata-se de espécie de autorregulação regulada: autorregulação ao observar suas próprias diretrizes de uso, regulada pelo Poder Judiciário nos casos de excessos e ilegalidades porventura praticados.

O art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet“) não impede nem proíbe que o próprio provedor retire de sua plataforma o conteúdo que violar a lei ou os seus termos de uso. Essa retirada pode ser reconhecida como uma atividade lícita de compliance interno da empresa, que estará sujeita à responsabilização por eventual retirada indevida que venha a causar prejuízo injustificado ao usuário.

Dar interpretação restritiva ao art. 19, no sentido de que tal norma somente autoriza a retirada de conteúdo da plataforma mediante ordem judicial, constitui dupla impropriedade: primeiro, porque dá à lei um sentido que ela não tem, pois as hipóteses ali previstas não excluem nem proíbem que as plataformas retirem conteúdo que seja ilegal ou que ofenda seus termos de uso; e segundo, porque vai de encontro ao esforço que a comunidade nacional e internacional, o poder público, a sociedade civil e as empresas têm realizado em busca de uma internet livre de desinformação (as chamadas fake news) e de práticas ilícitas, que proteja crianças e adolescentes e que fortaleça os princípios de liberdade, direitos humanos, universalidade, privacidade, neutralidade, inovação e autonomia informacional.

No tocante à prática de shadowbanning, também conhecida como banimento às sombras, oculto, furtivo ou fantasma, essa consiste na moderação de conteúdo por meio de rebaixamentos em sistemas de recomendação ou banimento de difícil detecção pelo usuário e são vedadas em documentos regulatórios, ressalvadas exceções bastante limitadas, reconhecida a assimetria informacional e a hipossuficiência técnica do usuário.

São exemplos dessas práticas a exclusão de comentários postados em provedores, que permanecem visíveis para o remetente, mas não para os demais usuários, a diminuição no tráfego e nos resultados de pesquisa, e a redução do alcance de conteúdo e produtos, podendo ser realizadas tanto por funcionários da plataforma quanto por meio de algoritmos e, em tese, podem caracterizar ato ilícito, arbitrariedade ou abuso de poder.

Embora a moderação de conteúdo por meio de técnicas convencionais como a remoção total de conteúdo ou suspensão de conta seja cabível, como nas hipóteses já destacadas, deve ser garantido ao usuário o direito de transparência acerca da moderação de conteúdo implementada pela plataforma.

No Brasil, a proteção do usuário contra práticas de shadowbanning e outras formas de moderação de conteúdo que violem a liberdade de expressão e a vedação da censura pode ser extraída das normas previstas no Marco Civil da Internet.

8.2.3.    Resultado final.

É legítimo que um provedor de aplicação de internet, mesmo sem ordem judicial e por iniciativa própria, retire de sua plataforma determinado conteúdo quando este violar a lei ou seus termos de uso.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

É desnecessário o consentimento prévio e expresso do consumidor para a disponibilização de informações em relatório de consulta com a finalidade de proteção ao crédito.

AgInt no REsp 2.122.804-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 12/8/2024, DJe 16/8/2024. (Info STJ 823)

9.1.  Situação FÁTICA.

Crementino ajuizou ação em face de SERASA Score, por meio da qual requer indenização e alega a ilicitude da disponibilização de suas informações em relatório de consulta com a finalidade de proteção ao crédito.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Necessário o consentimento?

R: Negativo!!!!

Cinge-se a controvérsia acerca da licitude da disponibilização de informações em relatório de consulta com a finalidade de proteção ao crédito, através de análise das particularidades do documento e da forma como o serviço é prestado, para fins de reparação civil.

A pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido da validade da utilização do sistema denominado “credit scoring”, conforme tese consolidada em precedente repetitivo – Tema 710/STJ.

Segundo o entendimento firmado, “o sistema ‘credit scoring’ é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). II – Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). III – Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. IV – Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. V – O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema ‘credit scoring’, configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados” (REsp 1.457.199/RS, Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/11/2014, DJe de 17/12/2014).

Dessa forma, é desnecessário o consentimento do consumidor consultado; a ele devem ser fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados o histórico de crédito bem como as informações pessoais valoradas. No caso, não houve qualquer indício de prévia solicitação de esclarecimentos ou mesmo postulação administrativa de cancelamento dos dados do cadastro, o que afasta qualquer ilicitude na conduta que pudesse ensejar indenização.

9.2.2.    Resultado final.

É desnecessário o consentimento prévio e expresso do consumidor para a disponibilização de informações em relatório de consulta com a finalidade de proteção ao crédito.

RECURSO ESPECIAL

A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

REsp 1.869.764-MS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, por maioria, julgado em 14/8/2024. (Info STJ 823)

10.1.               Situação FÁTICA.

Trata-se de RE que discute a possibilidade da incidência da circunstância atenuante não poder conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, bem como a possível alteração ou manutenção da Súmula 231 do STJ.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Cálculo da pena

Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único – No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Súmula 231 STJ:

A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

R: Negativo!!!

No julgamento do tema da repercussão geral n. 158, Recurso Extraordinário 597.270, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal, à luz dos princípios constitucionais da reserva legal, da proporcionalidade e da individualização da pena, fixou a tese, com eficácia de precedente vinculante, no sentido de que “(c)ircunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal“.

Vale mencionar que o recurso extraordinário, que deu origem ao acórdão em repercussão geral, questionava a validade da Súmula n. 231 do STJ, que estaria em aparente oposição aos mencionados princípios constitucionais. Portanto, estabelecido o padrão decisório em repercussão geral, não se tem dúvida acerca da obrigatoriedade de julgamento no mesmo sentido da definição do Supremo Tribunal Federal, inclusive para o Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, no mérito, não há razão para a modificação do entendimento sumulado, uma vez que os fundamentos e o contexto econômico, político, cultural e social relativos à matéria não sofreram alterações substanciais.

O art. 68 do Código Penal adotou, para a individualização da pena, na fase judicial, o método trifásico. A interpretação juridicamente correta é a de que a dosagem da pena, na segunda fase, fora dos parâmetros instituídos para cada crime específico, representaria violação ao princípio da legalidade e indevida usurpação da atividade legislativa porque induziria limites diferentes daqueles previstos pelo Poder Legislativo, de forma específica, para cada delito.

Diferentemente, na terceira fase, a previsão das causas de aumento e diminuição foram inseridas pelo legislador ordinário, abstratamente, em cada tipo penal e possuem, para cada delito, uma fração específica. Assim, é evidente que, para as causas de aumento e diminuição, o legislador refletiu sobre a possiblidade de desbordamento dos parâmetros porquanto instituiu aumentos e diminuições de forma individualizada, isto é, a possibilidade de inobservância dos parâmetros mínimos e máximos vem sempre acompanhada da quantidade de aumento ou de diminuição para cada delito, ou grupo, individualmente considerado, em atenção ao princípio da reserva legal.

Nesse contexto normativo e teórico, os termos “sempre agravam a pena” e “sempre atenuam a pena”, constantes, respetivamente, dos artigos 61 e 65 do Código Penal, devem ser interpretados no sentido de que, diante de uma agravante ou atenuante prescrita nesses dispositivos legais, o julgador está obrigado a aplicar a circunstância, ou seja, não pode, mesmo que fundamentadamente, afastar o aumento ou a diminuição. Isso não significa, por outro lado, que seja possível a redução abaixo do mínimo ou o aumento acima do máximo. Assim, a atenuante sempre atenua, desde que respeitada a pena mínima.

O legislador, no processo de tipificação de uma conduta, faz uma calibragem da pena mínima e máxima levando em conta as causas de aumento e diminuição, uma vez que são elementos que se constituem, no plano legal, em conjunto. E, assim, parece lógico que causas de diminuição ultrapassem as barreiras mínimas, ao passo que as atenuantes sejam limitadas ao parâmetro abstrato.

Registre-se, ainda, outra repercussão importante. A interpretação no sentido da viabilidade de desbordamento do parâmetro mínimo denotaria a possibilidade de proteção insuficiente dos bens penalmente tutelados. Isso porque, a pretexto de garantir um direito ou impedir um excesso, o entendimento poderia resultar, por via transversa, uma insuficiência da resposta estatal para tutela de bens jurídicos.

A partir, pois, de uma interpretação sistemática e teleológica, a tentativa de superação da Súmula n. 231 do STJ não encontra respaldo jurídico porque desconsidera a metodologia adotada pelo Código Penal e os limites constitucionalmente instituídos pela separação de poderes.

10.2.3. Resultado final.

A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL

É atípica a conduta de possuir 23 gramas de maconha para consumo pessoal, devendo o ilícito administrativo ser apurado no Juizado Especial Criminal, conforme decidido pelo STF no RE 635.659/SP.

AgRg no REsp 2.121.548-PR, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 13/8/2024, DJe 15/8/2024. (Info STJ 823)

11.1.               Situação FÁTICA.

Creitinho foi apreendido com 23 gramas de maconha. A defesa recorre e referencia o julgamento do Recurso Extraordinário n. 635.659/SP pelo Supremo Tribunal Federal.        

11.2.               Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei 11.343/2006:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

11.2.2. O que será de Creitinho?

R: Seu ilícito administrativo será apurado no Juizado Especial Criminal!!!

No caso, discute-se a possibilidade de reconhecimento da atipicidade da conduta, uma vez que foram apreendidos 23g (vinte e três gramas) de maconha para consumo próprio em poder do acusado, em virtude da decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema n. 506 da repercussão geral, que entendeu pela descriminalização do porte de droga para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/2006).

Com efeito, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 635.659/SP, em 26/6/2024, o Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes teses em sede de repercussão geral: 1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito.

Assim, impõe-se o reconhecimento da atipicidade da conduta, com a consequente extinção da punibilidade do acusado e remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal competente para a apuração do ilícito administrativo.

11.2.3. Resultado final.

É atípica a conduta de possuir 23 gramas de maconha para consumo pessoal, devendo o ilícito administrativo ser apurado no Juizado Especial Criminal, conforme decidido pelo STF no RE 635.659/SP.

HABEAS CORPUS

O indulto natalino, previsto no art. 5º do Decreto n. 11.302/2022, somente pode ser concedido às pessoas condenadas até a publicação do referido ato normativo.

HC 877.860-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024, DJe 2/9/2024. (Info STJ 823)

12.1.               Situação FÁTICA.

Craudião, apenado em março de 2023, ou seja, após a publicação do decreto presidencial em que se baseou seu pedido de concessão do benefício, impetrou Habeas Corpus contra ato que negou provimento ao seu pedido de indulto natalino previsto no art. 5º do Decreto n. 11.302/2022.

A defesa alega, em síntese, que o disposto no decreto não limita temporalmente a incidência do benefício, como fizeram os arts. 1º e 2º do mesmo diploma legal.

12.2.               Análise ESTRATÉGICA.

12.2.1. Questão JURÍDICA.

Decreto n. 11.302/2022:

Art. 5º  Será concedido indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a cinco anos.

Parágrafo único.  Para fins do disposto no caput, na hipótese de concurso de crimes, será considerada, individualmente, a pena privativa de liberdade máxima em abstrato relativa a cada infração penal.

12.2.2. Norma que retroage?

R: Calma lá!!!!

O decreto de indulto deve ser interpretado restritivamente, não sendo possível ao Poder Judiciário exigir condições não previstas no instrumento ou ampliar indevidamente o alcance da benesse, sob pena de usurpação da competência constitucional do Presidente da República.

Diz o art. 5º do Decreto n. 11.302/2022 que: “Será concedido indulto natalino às pessoas condenadas por crime cuja pena privativa de liberdade máxima em abstrato não seja superior a cinco anos”. Nesses termos, o indulto é concedido às pessoas condenadas, ou seja, que já se submeteram à jurisdição penal e contra si tiveram pronunciada a culpa. Não há menção para casos futuros, tampouco poderia haver.

Isso porque, a vigência do decreto de indulto para casos futuros invadiria o exercício do poder legislativo, pois permitiria ao Presidente da República inovar no ordenamento jurídico, tornando sem efeito inúmeros tipos penais, criando hipóteses de abolitio criminis e igualando o decreto de clemência presidencial à lei. E essa não foi a pretensão do constituinte, cuja competência para legislar em matéria penal atribuiu ao Congresso Nacional (art. 22, I, c/c o art. 48, caput, ambos da Constituição Federal).

Interpretação em sentido contrário, todos os delitos cuja pena máxima em abstrato for inferior a 5 anos estariam “revogados”. Por essa razão, a limitação temporal é intrínseca ao ato, valendo para os condenados até a publicação do decreto de indulto.

12.2.3. Resultado final.

O indulto natalino, previsto no art. 5º do Decreto n. 11.302/2022, somente pode ser concedido às pessoas condenadas até a publicação do referido ato normativo.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS

Embora não usar capacete seja praxe no local da abordagem, não se pode extrair do uso do equipamento, exclusivamente, a existência de fundada suspeita para justificar busca pessoal.

AgRg no AgRg no HC 889.619-PE, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2024, DJe 12/6/2024. (Info STJ 823)

13.1.               Situação FÁTICA.

Policiais estavam realizando ronda quando avistaram dois homens em uma moto, fazendo uso de capacete, prática incomum na cidade. Além disso, os policiais perceberam o nervosismo do piloto Creitinho ao avistar a polícia.

Na abordagem, foi apreendida pequena quantidade em valores e crack. A defesa impetrou HC no qual alega a nulidade da busca e apreensão por falta de fundada suspeita para justificar busca pessoal.

13.2.               Análise ESTRATÉGICA.

13.2.1. Questão JURÍDICA.

Código de Processo Penal:

Art. 244.  A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

13.2.2. Se usar capacete é suspeito, se não usar é multado. Como faz?

R: Uso de capacete, exclusivamente, não justifica a busca pessoal!!!!

A busca pessoal, à qual se equipara a busca veicular, é regida pelo art. 244 do Código de Processo Penal. Exige-se a fundada suspeita de que a pessoa abordada esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papeis que constituam corpo de delito, ou, ainda, a medida é válida quando for determinada no curso de busca domiciliar.

No caso, o Tribunal estadual corroborou que a fundada suspeita para a abordagem decorreu do fato de ambos os ocupantes da motocicleta transitarem com capacete, atitude desconforme os costumes locais, aliado ao nervosismo do acusado ao visualizar os policiais.

O uso de capacete possui previsão expressa no Código de Trânsito Brasileiro, consistindo em infração gravíssima a condução de motocicleta sem que esteja sendo utilizado, conforme prevê o art. 244 da Lei n. 9.503/1997.

Assim, muito embora o não uso de capacete seja praxe no local da abordagem, não se pode extrair do uso do referido equipamento, exclusivamente, a existência de fundada suspeita apta a ensejar a abordagem policial.

13.2.3. Resultado final.

Embora não usar capacete seja praxe no local da abordagem, não se pode extrair do uso do equipamento, exclusivamente, a existência de fundada suspeita para justificar busca pessoal.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Eventual nível de sigilo do processo não autoriza a ocultação do nome do advogado da parte na intimação.

AREsp 2.234.661-RS, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/8/2024. (Info STJ 823)

14.1.               Situação FÁTICA.

Dr. Creisson, advogado criminalista, foi surpreendido ao tomar conhecimento de decisão proferida em processo sete dias antes. Impetrou recurso no qual alega que não fora corretamente intimado da sessão de julgamento, uma vez que não constou seu nome na intimação.

O Tribunal local consignou que foi publicada a intimação de pauta de julgamento no Diário da Justiça Eletrônico, na qual constaram as informações de classe e número do processo e que devido ao nível de sigilo do feito ser o de número 2, torna sigiloso os nomes de partes e procuradores.

14.2.               Análise ESTRATÉGICA.

14.2.1. Justifica a ocultação do nome do advogado?

R: Negativo!!!

O Tribunal de origem consignou que foi publicada a intimação de pauta de julgamento no Diário da Justiça Eletrônico, na qual constaram as informações de classe e número do processo e que devido ao nível de sigilo do feito ser o de número 2, torna sigiloso os nomes de partes e procuradores.

Contudo, não há previsão legal de uma gradação de sigilo em que os nomes dos procuradores não são citados. A justificativa do nível sigilo não é suficiente para supressão do nome dos procuradores, devendo se guardar sigilo apenas do nome das partes, pois torna inviável a verificação pelos advogados do dia de inclusão do feito para julgamento.

A perda de momento em que poderia ser apresentada uma defesa é extremamente prejudicial ao réu e fere o princípio da ampla defesa e do contraditório, princípios basilares do devido processo legal.

Note-se que o julgamento do recurso sem a devida intimação da parte interessada acarreta nulidade, conforme enunciado n. 431 da Sumula do STF: “É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus”.

14.2.2. Resultado final.

Eventual nível de sigilo do processo não autoriza a ocultação do nome do advogado da parte na intimação.

Fonte: Estratégia Concursos

Download disponível – Informativo STJ 823 Comentado



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