Conteúdo liberado – Informativo STJ 868 Comentado

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1.          Concurso formal no crime de roubo (Tema 1192)

Destaque

O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de vítimas diferentes, ainda que da mesma família, configura concurso formal próprio (art. 70 do Código Penal).

REsp 1.960.300-GO (Tema 1192), Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/10/2025. 

Conteúdo-Base

???? CP, arts. 18 I e 70; CPC, art. 927 III.

???? O bem jurídico do roubo é o patrimônio.

???? Patrimônios distintos = pluralidade de crimes, mesmo em contexto familiar.

???? Dolo eventual é suficiente quando o agente assume o risco de atingir bens de várias vítimas.

???? Concurso formal próprio é favor legal substitutivo do concurso material.

???? Individualização dos bens de cada vítima não é necessária.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se roubo com uma só ação dentro de residência familiar seria crime único.

⚖ Concluiu que a pluralidade de vítimas implica pluralidade de patrimônios, tornando obrigatória a incidência do concurso formal próprio.

Como será Cobrado em Prova

???? A violação de bens de familiares configura crime único de roubo.

❌ Errado. Cada vítima possui patrimônio autônomo.

???? Se uma única ação atinge patrimônios distintos, aplica-se concurso formal próprio.

✅ Correto. Esse foi o entendimento aplicado.

Versão Esquematizada

???? Roubo – concurso formal
???? Bem jurídico: patrimônio ???? Mesma família = irrelevante ???? Dolo eventual suficiente ???? Art. 70 CP – concurso formal próprio

Inteiro Teor

     A questão submetida a julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: “definir se a prática de crimes de roubo mediante uma única conduta e com violação do patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes.”.

     O Tribunal de origem reconheceu a ocorrência de crime único de roubo, afastando o concurso formal de crimes, ao fundamento de que não seria possível individualizar os bens subtraídos na residência das vítimas, pertencentes à mesma família.

     No entanto, a solução do problema depende de uma questão elementar: o objeto jurídico tutelado pelo crime de roubo é o patrimônio. Consequentemente, a ação do agente, o dolo e a consumação do crime passam, necessariamente, pelo liame constatado entre a escolha livre e consciente do agente e o direcionamento de sua conduta ao patrimônio violado.

     O Direito Penal brasileiro adotou, como regra, a “Teoria da Vontade” para a caracterização do dolo, definido como a vontade livre e consciente de alcançar determinado desfecho, contida na expressão “quando o agente quis o resultado” disposta no art. 18, I, do Código Penal.

     Já para o dolo eventual, a legislação pátria filiou-se à “Teoria do Assentimento” ou do “Consentimento”, configurando-se essa modalidade de dolo quando o agente, ainda que não pretendesse diretamente certo resultado, com ele consente, nos termos da expressão “assumiu o risco de produzi-lo [o resultado]”, existente na parte final do mesmo inciso I do art. 18 do Código Penal.

     Nesse contexto, tratando-se o roubo de um crime contra o patrimônio e cometida a sua realização mediante uma única conduta, deverá o intérprete verificar se a vontade do agente se dirigiu contra o patrimônio de mais de uma vítima, ainda que tal direcionamento tenha se dado na forma de risco plausível de o patrimônio pertencer a diferentes pessoas (dolo eventual).

     Portanto, se, com o objetivo de subtrair coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça, o agente adentra uma residência na qual (i) reside mais de uma pessoa, (ii) encontra mais de uma pessoa ou, (iii) por qualquer outra forma, tem a consciência ou pode prever que está a violar o patrimônio de mais de uma pessoa, não é possível cogitar da ocorrência de crime único.

     O raciocínio não pode ser excluído da situação em que os bens pertencem a diferentes pessoas de uma mesma família e vale para qualquer contexto em que praticados os crimes por meio da mesma ação ou omissão, tais como a abordagem de duas ou mais pessoas em via pública, em restaurante, em veículo ou em transporte coletivo.

     Efetivamente, sempre que o bem jurídico violado pertencer a diferentes pessoas, cada qual constituído em patrimônio que recebe proteção legal própria, não se pode pensar na incidência do crime único.

     A aplicação do concurso formal, aliás, veicula favor do legislador, que, mesmo quando praticado mais de um crime, e desde que presentes as condições legais, autoriza a aplicação de uma causa de aumento de pena em substituição ao somatório de penas do concurso material. Para tanto, deve estar caracterizado que o agente, “mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não”, exceto se “a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos”, conforme previsto no art. 70, caput, do Código Penal.

     Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é há muito pacífica sobre o tema, mesmo quando os patrimônios atingidos sejam da mesma família. Nessa linha, seria absoluto contrassenso tornar a conduta mais branda pela simples razão de as vítimas serem da mesma família, distinção que, além de desproporcional e ofensiva ao princípio da proibição da proteção deficiente, não contaria com suporte legal.

     Em suma, “ocorre concurso formal quando o agente, mediante uma só ação, pratica crimes de roubo contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, eis que caracterizada a violação a patrimônios distintos” (HC 207.543/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/4/2012).

     No caso, os agentes adentraram a residência das duas vítimas, que foram surpreendidas, ameaçadas e tiveram seus patrimônios violados. Diante disso, ao contrário do que concluiu o Tribunal de origem, é desnecessária a individualização dos bens de cada vítima no contexto fático, sendo obrigatória a exasperação oriunda do concurso formal próprio, previsto no art. 70 do Código Penal.

     Referida aplicação, deve-se frisar, constitui benefício penal concedido aos agentes pelo legislador e permite a incidência de causa de aumento de pena em vez do concurso material, ainda que mais de um crime tenha sido praticado, porquanto, por outro lado, não ficou provada a existência de desígnios autônomos que faria incidir o concurso formal impróprio.

     Ante o exposto, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1192/STJ: O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes.

2.        Mandado de segurança e decisão transitada em julgado

Destaque

É incabível mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado, ainda que o pedido vise ao controle de competência dos Juizados Especiais.

RMS 69.603-SP, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 12.016/2009, art. 5º III; Súmulas 268 STF e 376 STJ.

???? MS não substitui ação rescisória nos Juizados.

???? Controle de competência só é possível antes do trânsito em julgado.

???? Microssistema dos Juizados não admite rescisória.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou MS contra acórdão de Turma Recursal já transitado.

⚖ Concluiu que, embora exista precedente permitindo MS para controle de competência, a Lei 12.016/2009 veda sua impetração contra decisões transitadas em julgado.

Como será Cobrado em Prova

???? O MS pode ser usado para controle de competência dos juizados, desde que antes do trânsito em julgado.

✅ Correto. A lei impede o MS contra decisão transitada.

Versão Esquematizada

???? MS e coisa julgada
???? Lei 12.016/2009, art. 5º III ???? Súmula 268/STF ???? Controle de competência ≠ rescindir decisão transitada ???? MS inadmissível após trânsito

Inteiro Teor

     A controvérsia tem origem no mandado de segurança impetrado contra acórdão de Turma Recursal, que negou provimento ao recurso inominado do autor, rejeitando alegação de incompetência de Juizado Especial da Fazenda Pública de determinada comarca.

     O Tribunal de Justiça recorrido indeferiu a petição inicial ao fundamento de que a “Decisão transitada em julgado não pode ser objeto de mandado de segurança por expressa vedação da Lei n. 12.016/2009, artigo 5º, III, e Supremo Tribunal Federal, Súmula 268”.

     Com efeito, ao julgar o RMS 17.524/BA, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de ser cabível a impetração de mandado de segurança para as hipóteses de controle sobre a competência dos juizados especiais.

     A partir desse precedente, as Turmas do STJ passaram a admitir a utilização do mandado de segurança com o objetivo de exercer o controle da competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, desde que vedada a análise do mérito do processo subjacente.

     Assim, a impetração do mandado de segurança com esse objetivo de controlar a competência dos Juizados Especiais foi considerada uma exceção à Súmula 376 do STJ, que preceitua que “compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”. Nesses casos, compete aos Tribunais o julgamento desses mandados de segurança.

     Por oportuno, vale destacar que no RMS 17.524/BA não foi discutida a possibilidade de impetração do mandado de segurança após o trânsito em julgado de decisão judicial que verse sobre a competência de Juizado Especial. Isso porque esse julgamento é anterior à vigência da Lei n. 12.016/2009 que, por sua vez, impede expressamente a concessão de mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado, nos moldes do 5º, III.

     Embora ainda não estivesse sedimentada em lei, a previsão do não cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado estava estabelecida no enunciado da Súmula 268 do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovado em sessão plenária de 13/12/1963.

     Já nos julgamentos do RMS 30.170/SC (Terceira Turma) e do RMS 37.775/ES (Quarta Turma), realizados após a entrada em vigor da Lei n. 12.016/2009, houve menção expressa à possibilidade de impetração do mandado de segurança para controle da competência dos Juizados Especiais mesmo nas hipóteses em que houve o trânsito em julgado do provimento jurisdicional.

     Observa-se que o entendimento sobre o caráter rescisório do mandado de segurança após a vigência da Lei n. 12.016/2009 ocorreu tão somente em julgados dos órgãos fracionários que compõem a Segunda Seção do STJ, de forma que não configuram precedentes de observância obrigatória pelos demais órgãos do STJ.

     Assim, não obstante a admissão do mandado de segurança como instrumento de controle da competência dos Juizados Especiais (precedente da Corte Especial do STJ), verifico a ausência de precedentes vinculantes no STJ em que se discuta a aplicação da Lei n. 12.016/2009 nos casos em que o mandado de segurança tem por objeto uma decisão judicial transitada em julgado.

     Destarte, deve prevalecer o disposto no art. 5°, III, da Lei n. 12.016/2009, de modo que não se deve conceder o mandado de segurança quando o seu objeto for decisão judicial já transitada em julgado.

     De fato, o legislador exerceu seu múnus legiferante com o expresso intuito de impedir o manejo da ação rescisória nos juizados especiais, seja em razão da previsão constante do art. 59 da Lei n. 9.099/1995 (juizados especiais estaduais), seja diante da dicção do art. 1º da Lei n. 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais).

     Nessa perspectiva, não se vislumbra a possibilidade de permitir a utilização de instrumento jurídico, ainda que diverso da ação rescisória propriamente dita, mas com um caráter rescisório, sem que isso represente um rompimento de uma importante finalidade das normas para esse campo estruturado do Poder Judiciário brasileiro – os juizados especiais.

3.        Gratificação de Atividade de Segurança e Servidores do Judiciário

Destaque

O servidor do Poder Judiciário da União lotado na área de Transporte tem direito à Gratificação de Atividade de Segurança (GAS) se demonstrado que exerce atividade relacionada à segurança.

REsp 2.202.471-DF, Rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 11.416/2006, arts. 4º §2º e 17.

???? A GAS depende da atividade desempenhada, não da especialidade do cargo.

???? Servidores da área de transporte exercem funções típicas de segurança (condução de autoridades, vigilância patrimonial etc.).

???? Vários tribunais unificaram as áreas Segurança + Transporte, reconhecendo a similitude funcional.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou se servidores de transporte poderiam receber GAS.

⚖ Reconheceu que, se desempenham funções de segurança, preenchem o requisito legal e fazem jus à gratificação.

Como será Cobrado em Prova

???? A GAS é exclusiva de cargos da área de Segurança.

❌ Errado. Basta que as atribuições desempenhadas sejam de segurança. Logo, servidor do Judiciário da área de Transporte que exerce atividades de segurança tem direito à GAS

Versão Esquematizada

???? GAS – servidores do Judiciário
???? Lei 11.416/2006 ???? Critério = função exercida ???? Transporte + segurança = similitude funcional ???? Direito à GAS comprovado

Inteiro Teor

     No caso, Sindicato de Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (SINDJUS/DF) ajuizou ação objetivando assegurar o direito dos substituídos à percepção da Gratificação de Atividade de Segurança – GAS, ao fundamento de que, embora sejam integrantes das carreiras de Técnico Judiciário – Área Administrativa, e Analista Judiciário – Área Administrativa, ocupam funções relacionadas às atribuições de segurança.

     Argumentou o sindicato que, historicamente, era unificada a especialidade “Segurança e Transporte” e que, a despeito de posterior separação em duas especialidades distintas no âmbito de vários tribunais, os servidores enquadrados na especialidade Transporte, por conduzirem autoridades, também exercem função relacionada à segurança.

     A legislação de regência, Lei n. 11.416/2006 – art. 4º, § 2º, e art. 17 -, não diferencia, de sobremaneira, as áreas de segurança e transporte, colocando como requisito legal de pagamento da GAS que os servidores contemplados sejam técnicos ou analistas judiciários, cujas atividades estejam relacionadas às funções de segurança.

     Ora, conforme pode se depreender do substrato fático-probatório fixado pelas instâncias ordinárias: a) o juiz consignou que “na prática, o que se vê é servidores lotados nos setores de transporte exercendo típica função de segurança de autoridades e superiores hierárquicos, na tarefa de conduzi-los nos veículos oficiais”; e b) em que pese haver provido o apelo da União, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região também consignou que os servidores da área de transportes apresentam “atribuições semelhantes” aos dos seguranças.

     Com efeito, o cargo dos servidores lotados na área de transporte também prevê, inexoravelmente, a possibilidade de exercício de atividades relacionadas à segurança, verbi gratia, a necessidade de transporte de dignitários – na maior parte das vezes desacompanhados de algum servidor da área da segurança -, movimentação de veículos e, invariavelmente, de vigilância de bens patrimoniais.

     Reconhecendo essa similaridade inerente às funções de segurança e transporte, diversos tribunais procederam à reunificação da carreira nessas duas áreas. Inclusive o Superior Tribunal de Justiça, que adotara procedimento no qual foram sendo extintos, de acordo com suas vacâncias, os cargos da especialidade transporte do STJ, passando a Corte a autorizar concurso tão somente para os cargos de Analista e Técnico Administrativo – Segurança e Transporte, nome que passou a ser utilizado após a reunificação das duas áreas.

     De fato, do texto legal, não se pode extrair que a gratificação é direito exclusivo de uma ou outra carreira, mas se relaciona à função desempenhada pelo servidor. Nesse sentido, ao servidor lotado no Transporte que exerce função de segurança deve ser resguardado o direito à percepção da GAS, desde que demonstre o preenchimento do requisito legal, qual seja, exercer atividade relacionada à segurança.

     Cumpre ressaltar, no ponto, que a legislação, especificamente nos seus arts. 4º e 17 da Lei n. 11.416/2003, não exclui os servidores administrativos da área de transporte, mas estipula ser a GAS devida a servidores “cujas atribuições estejam relacionadas às funções de segurança”.

     Portanto, deve ser garantido aos servidores que desempenhem atividades que estejam relacionadas à segurança, o pagamento da Gratificação por Atividade de Segurança – GAS.

4.        Suprimento de autorização para viagem internacional

Destaque

A ausência de situação de risco não afasta a competência do juizado da infância e da juventude para pedidos de suprimento de autorização paterna ou materna destinados à expedição de passaporte ou à viagem internacional de criança/adolescente.

REsp 2.062.293-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/9/2025, DJEN 19/9/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, art. 227; ECA, art. 148, par. ún., d; CPC, art. 62.

???? A jurisdição da infância é protetiva, absoluta e fixada pela matéria.

???? Competência não depende de risco, abandono ou vulnerabilidade.

???? Divergência entre genitores sobre atos que afetam direitos da criança atrai a competência da infância.

???? Suprimento de autorização é providência de jurisdição voluntária vinculada ao melhor interesse da criança.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou pedido de suprimento de autorização sem situação de risco.

⚖ Concluiu que a competência da infância não depende de risco concreto, mas da proteção integral e da repercussão do ato no exercício de direitos fundamentais da criança.

Como será Cobrado em Prova

???? O juizado da infância só é competente para suprimento de autorização se houver situação de risco.

❌ Errado. A competência decorre da matéria e do melhor interesse.

???? A divergência entre os genitores quanto à viagem internacional atrai a competência absoluta do juizado da infância.

✅ Correto. Esse foi o entendimento aplicado no REsp 2.062.293-DF.

Versão Esquematizada

???? Suprimento de autorização – viagem
???? CF 227 / ECA 148 d ???? Competência absoluta ???? Risco → irrelevante ???? Melhor interesse da criança

Inteiro Teor

     O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990), em consonância com o art. 227 da Constituição Federal, consagrou a doutrina da proteção integral, superando a ultrapassada doutrina da situação irregular do revogado Código de Menores. Nesse novo paradigma, a atuação da Justiça especializada não se restringe a situações de abandono, risco ou vulnerabilidade, mas se projeta às hipóteses em que seja necessário resguardar, prevenir ou assegurar o exercício pleno dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, em atenção ao princípio do melhor interesse e ao art. 98 do mesmo diploma legal.

     O art. 148, parágrafo único, alínea d, do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a competência do juizado da infância e juventude para conhecer de pedidos veiculados em ações civis fundados em interesses individuais afetos à criança, bem como pleitos baseados em discordância paterna ou materna no exercício do poder familiar, sempre que a divergência repercutir no exercício de direitos pela criança ou adolescente.

     Tal competência reveste-se de natureza absoluta, por se tratar de competência vinculada à matéria diretamente afeta à proteção da criança e do adolescente, não se sujeitando, portanto, a modificações decorrentes de convenção das partes ou critérios de foro, conforme previsto no art. 62 do Código de Processo Civil. Trata-se de fixação que decorre da matéria (ratione materiae), em razão da especialidade da jurisdição protetiva infantojuvenil.

     O pedido de suprimento de autorização paterna ou materna para viagem internacional não se confunde com litígios sobre guarda ou visitas, mas representa providência específica de jurisdição voluntária vinculada diretamente à proteção e ao exercício de direitos da criança e do adolescente, razão pela qual a competência é do juizado da infância e da juventude, em caráter absoluto.

     Por fim, ainda que se afirme inexistir situação de risco ou ameaça direta à integridade física ou psicológica da criança, tal circunstância não é suficiente para afastar a competência do juizado da infância e da juventude. A negativa de um dos genitores em autorizar a viagem internacional, quando não fundada em justificativa plausível, configura óbice ao exercício de direitos fundamentais da criança, como o direito à convivência familiar, ao lazer, à cultura e à liberdade de locomoção.

5.        Termo inicial do agravo após pedido de esclarecimentos (art. 357 §1º CPC)

Destaque

O prazo para interposição do agravo de instrumento contra a decisão de saneamento somente se inicia após a estabilização da decisão saneadora — com a publicação da análise dos esclarecimentos/ajustes ou, na ausência de requerimento, após o transcurso do prazo de cinco dias.

REsp 2.159.882-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/9/2025, DJEN 17/9/2025.

Conteúdo-Base

???? CPC, art. 357 §1º.

???? O saneamento é ato complexo e só se estabiliza após deliberação sobre ajustes.

???? Pedido de esclarecimento não pode ser tratado como inexistente.

???? Princípio da cooperação exige participação plena das partes.

???? Prazo recursal só começa após a estabilização: decisão complementadora ou decurso do prazo de 5 dias.

Discussão e Tese

???? O STJ discutiu se pedido de esclarecimentos, visto como reformador, poderia antecipar prazo recursal.

⚖ Fixou que o pedido deve ser apreciado e que o prazo recursal só se inicia após a estabilização da decisão saneadora.

Como será Cobrado em Prova

???? Pedido de ajustes na decisão de saneamento acelera o prazo recursal, que começa imediatamente.

❌ Errado. O prazo só começa após a estabilização = a contagem do prazo de agravo se inicia após a decisão que analisa o pedido ou após cinco dias, se não houver requerimento.

Versão Esquematizada

???? Agravo – termo inicial
???? CPC 357 §1º ???? Saneamento = ato complexo ???? Estabilização → início do prazo ???? Pedido de ajustes ≠ preclusão

Inteiro Teor

          Cinge-se a controvérsia em decidir quando se inicia o prazo para a interposição de agravo de instrumento contra a decisão de saneamento, na hipótese em que foi apresentado pedido de esclarecimentos ou de ajustes, na forma do art. 357, § 1º, do CPC, indeferido sob o fundamento de ter pretensão de reforma da decisão.

     Nos termos do art. 357, § 1º, do CPC, realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável.

     O Código Processual, privilegiando a ampla participação das partes nesta relevante fase processual, tornou o saneamento um ato complexo, que se inicia com a primeira decisão do juiz, sendo finalizado com a decisão sobre os esclarecimentos ou ajustes, quando formulado, ou com o transcurso do respectivo prazo.

     A restrição ao direito de pedir esclarecimentos ou ajustes proposta pelo eminente relator, com a devida vênia, consistiria na criação de exceção não prevista em lei, prejudicando a segurança jurídica e tendo o condão de inutilizar completamente o art. 357, § 1º, do CPC, frustrando a cooperação que a lei buscou implementar no saneamento do processo.

     O princípio da cooperação, em vez de restringir o direito legal das partes de pedir esclarecimentos ou ajustes, privilegia a ampla participação das partes na fase de saneamento e deve ser aplicado para assegurar tal direito, sem o temor ou receio de o juiz, posteriormente, classificar o pedido como suposta pretensão de reforma e inviabilizar a rediscussão da matéria por agravo de instrumento, diante do transcurso do prazo.

     Em se tratando de um pedido com simples intenção de reforma, sem o objetivo de cooperar com o saneamento, o juiz poderá, se for o caso, indeferi-lo, não havendo, contudo, suporte legal ou principiológico para considerar tal pedido como inexistente, a fim de antecipar a contagem do prazo recursal, o qual se inicia apenas após a estabilidade da decisão de saneamento.

     Assim, conclui-se que o termo inicial para interposição do agravo de instrumento, na hipótese do pedido previsto no art. 357, § 1º, do CPC, somente se inicia depois de estabilizada a decisão de saneamento, o que ocorre após publicada a deliberação do juiz sobre os esclarecimentos ou ajustes ou, não havendo requerimento, com o transcurso do prazo de 5 dias.

6.        Sigilo religioso e exibição de processo eclesiástico

Destaque

Organização religiosa pode recusar o acesso a procedimento disciplinar eclesiástico instaurado contra sacerdote, em razão do sigilo religioso e da autonomia constitucional das entidades de fé.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/10/2025. 

Conteúdo-Base

???? CF, art. 5º VI; CC, art. 44 §1º; CPC, art. 404; CPP, arts. 186 e 207; CP, art. 154; Decreto 7.107/2010, art. 13.

???? Liberdade de crença abrange organização interna e sigilo religioso.

???? Processo eclesiástico não é jurisdicional e não produz imperatividade estatal.

???? Procedimento pode conter confissões protegidas (“nemo tenetur se detegere”).

???? Exibição violaria sigilo confessional e autonomia religiosa.

Discussão e Tese

???? O STJ examinou ação de exibição voltada a obter processo canônico de apuração disciplinar.

⚖ Reconheceu que o sigilo religioso é protegido constitucionalmente e impede a exibição judicial do procedimento eclesiástico.

Como será Cobrado em Prova

???? Procedimentos eclesiásticos são protegidos pela liberdade religiosa e pelo sigilo confessional.

✅ Correto. Esse foi o entendimento fixado pelo STJ.

???? Instituição religiosa pode ser compelida a exibir processo eclesiástico disciplinar.

❌ Errado. O sigilo religioso impede a exibição.

Versão Esquematizada

???? Sigilo religioso – exibição
???? CF 5º VI ???? CPC 404 ???? Sigilo confessional ???? Autonomia religiosa

Inteiro Teor

     Cinge-se a controvérsia em saber se é possível compelir organização religiosa a exibir processo disciplinar eclesiástico, instaurado a partir da alegação, em face de sacerdote, de abuso sexual, formulada pela parte autora da posterior ação de exibição de documentos, considerando o sigilo inerente ao rito religioso e à liberdade de organização religiosa interna protegida pela Constituição.

     Na origem, cuida-se de ação de exibição de documentos tendo por pedido a obtenção de acesso a procedimento disciplinar canônico instaurado em face de autoridade religiosa.

     O art. 404 do Código de Processo Civil reconhece não ser absoluto o direito à prova, pois faculta à parte demandada a exibir documento ou coisa a prerrogativa de apresentar defesa, demonstrando a existência de motivo legítimo para se opor à pretensão.

     A liberdade religiosa inclui a liberdade de crença e de organização religiosa, expressões da dignidade da pessoa humana em terreno historicamente ligado aos direitos e garantias fundamentais de primeira dimensão, ao estabelecerem limites à intervenção estatal na esfera de liberdade individual (CF, art. 5º, VI).

     A sujeição de sacerdotes e fiéis a processo eclesiástico – desde a participação no rito até a aceitação e o cumprimento das penas expiatórias – representa manifestação do exercício da liberdade religiosa dos envolvidos, pois inexistentes ali as características da imperatividade e da inafastabilidade, típicas da jurisdição estatal.

     Ao submeterem-se a procedimento interno de apuração de infrações às normas religiosas – ainda que os fatos ali apreciados interessem também ao Direito estatal -, o apenado e as testemunhas nada mais fazem do que exercitar a sua fé.

     A autonomia das organizações religiosas torna legítima a instituição de sigilo em seus ritos e procedimentos internos, enquanto corolário das garantias fundamentais de seus sacerdotes e fiéis (CC, art. 44, § 1º).

     O sigilo confessional é protegido por normas legais específicas, como o art. 13 do Decreto n. 7.107/2010, ao garantir o segredo do ofício sacerdotal; o art. 154 do CP, ao criminalizar a revelação de segredo de que tem ciência em razão de ministério; e o art. 207 do Código de Processo Penal, ao estabelecer restrições ao depoimento daqueles que, em razão de ministério devam guardar segredo. Incidência do art. 404, IV, V e VI, do CPC.

     Admitido o acesso aos autos do procedimento eclesiástico, certamente para fins de ser utilizado como suporte a pretensões outras – de natureza cível, trabalhista ou penal -, surge o grave risco de violação à garantia constitucional do “nemo tenetur se detegere“.

     Ademais, em tese, é plenamente possível que o denunciado – ao exercer sua liberdade religiosa e eventualmente buscar, conforme sua consciência, a expiação de seus pecados – adote postura de confissão de fatos prejudiciais a si mesmo, confiando, justamente, no sigilo religioso, inerente àquele procedimento, de jurisdição apartada da estatal, como garante a Constitução Federal.

     Assim, conclui-se que a exibição do procedimento disciplinar eclesiástico deve ser negada, pois representa grave risco de violação à garantia constitucional do “nemo tenetur se detegere“, protegida na legislação ordinária pelos arts. 404, III, do CPC e 186 do CPP (direito do acusado ao silêncio), ao expor potenciais confissões e informações sensíveis do apenado na via eclesiástica, as quais precipuamente foram prestadas no seio da relação voluntária de confiança ínsita ao exercício da crença.

7.        Perdimento de propriedade rural no tráfico de drogas

Destaque

A perda da propriedade rural utilizada para tráfico de drogas deve compatibilizar-se com a boa-fé de terceiros e com o princípio da intranscendência da pena, sendo vedado o perdimento integral quando houver coproprietários inocentes ou desprovidos de dever realista de vigilância.

AgRg no REsp 2.188.777-PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 7/10/2025, DJEN 14/10/2025.

Conteúdo-Base

???? CF, art. 243 par. ún.; CF, art. 5º XLIII e XLV; Lei 11.343/2006, arts. 60 e 63 I; CP, art. 348 §2º.

???? A expropriação constitucional exige proporcionalidade e não alcança terceiros de boa-fé.

???? Tema 399/STF não se aplica automaticamente quando a atividade ilícita não descaracteriza a função social da terra.

???? Pais idosos e impossibilitados, bem como ex-cônjuge meeira, não possuem dever ilimitado de vigilância.

???? Perda integral viola dignidade, função social, proteção da família e princípio da intranscendência da pena.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou se a integralidade da área rural poderia ser confiscada quando somente parte foi usada em atividade ilícita e os coproprietários eram terceiros de boa-fé.

⚖ Concluiu que não: o perdimento deve se limitar à parte vinculada ao tráfico e não pode atingir meeiros ou herdeiros inocentes.

Como será Cobrado em Prova

???? A propriedade rural pode ser integralmente confiscada sempre que for utilizada para tráfico.

❌ Errado. O STJ admite mitigação quando houver terceiros de boa-fé e ausência de culpa.

???? O perdimento deve compatibilizar-se com proporcionalidade e intranscendência, preservando direitos de terceiros inocentes.

✅ Correto. Esse foi o entendimento aplicado.

Versão Esquematizada

???? Perdimento de imóvel – tráfico
???? CF 243 par. ún. ???? Terceiros de boa-fé → proteção ???? Função social preservada ???? Perdimento parcial

Inteiro Teor

     A expropriação de bens em favor da União pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem previsão em foro constitucional, nos termos do art. 243, parágrafo único, da Constituição da República, e decorre da sentença penal condenatória, conforme regulamentado, primeiramente e de forma geral, no art. 91, II, do Código Penal, e, posteriormente, de forma específica no art. 63 da Lei n. 11.343/2006. (AgRg nos EDcl no REsp 1.866.666/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 21/9/2020).

     Nesse contexto, revela-se imperativo compreender o entendimento do STF a respeito do art. 243 da CF, para que a aplicação das normas infraconstitucionais – arts. 60, caput, e 63, I, da Lei n. 11.343/2006 – reflita corretamente a perspectiva constitucional.

     O art. 243 da CF se volta tanto para a punição rigorosa de ilícitos de gravidade acentuada, como é o caso do tráfico ilícito de drogas, quanto para a promoção da função social da propriedade. A norma trata de hipóteses diferentes. O caput disciplina a expropriação de imóveis quando utilizados para cultivo de plantas psicotrópicas ilegais ou exploração de trabalho escravo e o parágrafo único dispõe sobre o confisco de bens de valor econômico relacionados à prática dos crimes de tráfico de drogas ou de trabalho escravo, ou seja, que tenham nexo direto com o ilícito.

     Segundo o STF, a expressão “todo e qualquer bem de valor econômico” é suficientemente ampla para abranger bens móveis e imóveis, urbanos ou rurais, utilizados em contexto de tráfico ilícito, não se restringindo a hipóteses de cultivo de plantas psicotrópicas (RE 1.483.186/MG, rel. Min. Dias Toffoli). Essa moldura afasta a premissa de que a inexistência de plantio, por si só, impediria a expropriação constitucionalmente prevista, deslocando o foco para o nexo entre o bem e a atividade criminosa.

     No caso em análise, perquire-se não propriamente o nexo entre o bem e a atividade criminosa, uma vez que a propriedade foi efetivamente utilizada para o tráfico de drogas. Questiona-se, no entanto, se a perda pode incidir sobre a integralidade da propriedade rural, considerando que, além de não se ter comprovado sua utilização exclusiva para a prática criminosa, ela pertence a terceiros não envolvidos com a conduta ilícita.

     As instâncias ordinárias, ao analisarem esse ponto específico, concluíram que seria possível aplicar a compreensão firmada no Tema 399 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a responsabilidade dos coproprietários nessas hipóteses se justificaria pela presunção de culpa in eligendo ou in vigilando. Ou seja, caberia aos coproprietários demonstrar que não sabiam ou não tinham como saber que a propriedade rural estava sendo utilizada para a prática de tráfico de drogas.

     Nada obstante a relevância do referido entendimento, observa-se que foi aplicada solução construída para terras utilizadas para o plantio de drogas, com o manifesto desvirtuamento de sua função social, para a hipótese em que a terra permanece com sua função social, embora a propriedade seja também utilizada para finalidade ilícita. Situações que não são análogas, o que inviabiliza a mera transposição, sem maiores reflexões, da tese firmada no Tema 399 da Repercussão Geral.

     É imperativo que se leve em consideração que o combate ao narcotráfico, por mais relevante que seja, inclusive, com mandado expresso de criminalização (art. 5º, XLIII, da CF), não pode se sobrepor a garantias fundamentais de terceiros não envolvidos com a prática criminosa. A perda da propriedade é uma das mais severas sanções civis, motivo pelo qual a interpretação das normas que a determinam deve ser realizada com parcimônia, sempre tendo em mente sua conexão com o direito à moradia e com a dignidade da pessoa humana.

     Dessa forma, não há se falar em expropriação por presunção de culpa de terceiro, na hipótese do art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal, em especial porque o objetivo da norma é punir o criminoso e não o terceiro de boa-fé.

     Acaso se considere a possibilidade de mera transposição do Tema 399/STF para a situação em análise, deve ser feita uma leitura em consonância com os demais princípios constitucionais, em especial o da proporcionalidade. O STF, no julgamento do RE 544.205/PI, manteve o acórdão que decretou a perda apenas da área efetivamente plantada, e não da sua totalidade, considerando que “não se mostra proporcional determinar a expropriação da totalidade do imóvel, se apenas uma parte deste foi destinada ao plantio ilegal”.

     O acórdão mantido registrou, ainda, que, “[e]m virtude do princípio constitucional da personalidade da pena (art. 5º, XLV, CF) e da razoabilidade, ninguém pode ser responsabilizado por fato cometido por outra pessoa ou sem dolo ou culpa, motivo pelo qual a expropriação não pode recair sobre a pessoa dos herdeiros inocentes, que não cultivaram a substância entorpecente, nem contribuíram com relação à plantação da droga”. O relator, por seu turno, concluiu que a compreensão firmada não divergiu da orientação do STF no Tema 399 da Repercussão Geral (RE 544.205/PI, Relator Min. Roberto Barroso, Publicação: 2/5/2018).

     Por fim, mesmo que superadas todas essas peculiaridades, de ausência de aderência estrita ao precedente aplicado e de desproporcionalidade no perdimento da integralidade da propriedade, verifica-se, sem necessidade de reexame fático-probatório, que os familiares do réu não agiram com culpa. O Ministro Gilmar Mendes, no Tema 399/STF, destacou que “a função social da propriedade aponta para um dever do proprietário de zelar pelo uso lícito de seu terreno, ainda que não esteja na posse direta. Mas esse dever não é ilimitado. Só se pode exigir do proprietário que evite o ilícito, quando evitar o ilícito estava razoavelmente ao seu alcance”.

     A situação em foco revela que a propriedade rural confiscada, na qual se explorava pecuária leiteira, pertencia aos pais do réu condenado por tráfico de drogas. Com a velhice e as doenças, precisaram se afastar tanto do trabalho quanto da supervisão da terra, da qual cuidavam há mais de 50 anos, que passou a ser administrada pelos filhos. Na data do ajuizamento dos embargos de terceiros, dois a três anos após os fatos, a mãe já era falecida e o pai contava com 81 anos de idade. Referido contexto não pode ser desprezado, sendo manifesta a impossibilidade de supervisão da propriedade pelos seus pais idosos, bem como a ausência de qualquer indicativo no sentido de que deveriam se preocupar com a utilização da terra pelos filhos. Até então, as terras eram utilizadas para o desempenho de atividades lícitas.

     Já no que concerne à meação da ex-esposa, trata-se igualmente de bem imóvel de terceiro de boa-fé, de quem não se podia esperar comportamento impeditivo de prática delitiva. Com efeito, dentro da unidade familiar, “o Direito não impõe à mulher o dever de evitar a companhia de seu esposo, se, porventura, dedicado a atividades criminosas” (HC 168.442/SP e HC 183.361/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 19/3/2020). Nesse diapasão, não se pode exigir igualmente que o impeça de praticar crimes ou que o denuncie às autoridades policiais, conforme se depreende do art. 348, § 2º, do Código Penal.

     Nesse contexto, não é possível o perdimento integral da propriedade, quer por ausência de aderência ao precedente do Supremo Tribunal Federal indicado, quer por ausência de proporcionalidade. Rememore-se que se trata de propriedade rural produtiva, cujo perdimento integral atingirá meeira e herdeiros inocentes, violando, assim, a princípio da instranscendência da pena.

     Ademais, não se verifica culpa na atuação dos terceiros, dos quais não era esperada nem se podia demandar conduta diversa – os pais, em razão da idade e da situação de saúde, e a ex-esposa, em razão da unidade familiar. O que revela que o debate abrange inúmeros outros valores constitucionais relevantes – proteção do idoso, da saúde, da família – que não podem ser desconsiderados pelo intérprete.

     Dessa forma, a interpretação abrangente dada aos arts. 60, caput, e 63, I, da Lei n. 11.343/2006, não pode prevalecer, devendo a aplicação das perdas patrimoniais se harmonizar com os pilares do regime democrático de direito e com compreensões mais adequadas ao direito penal moderno.

8.        Colaboração premiada (art. 41 da Lei de Drogas)

Destaque

A minorante do art. 41 da Lei 11.343/2006 exige, cumulativamente, que a colaboração voluntária do agente resulte na identificação de coautores e na apreensão de drogas.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 24/9/2025, DJEN 29/9/2025.

Conteúdo-Base

???? Lei 11.343/2006, art. 41.

O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.

???? A minorante demanda cooperação eficaz e completa.

???? Apreensão de droga sem identificação de coautores é insuficiente.

???? Requisitos são cumulativos, não alternativos.

???? Ausência de identificação dos demais envolvidos impede a redução.

Discussão e Tese

???? O STJ avaliou caso em que o réu colaborou apenas para a apreensão da droga.

⚖ Como não ajudou a identificar coautores, a Turma afastou a minorante por ausência de requisito cumulativo.

Como será Cobrado em Prova

???? Basta apreensão da droga para aplicar a minorante do art. 41.

❌ Errado. Exige também identificação de coautores. A causa de diminuição do art. 41 somente incide quando ambos os requisitos — identificação + apreensão — forem preenchidos.

Versão Esquematizada

???? Lei de Drogas – art. 41
???? Requisitos cumulativos ???? Identificação + apreensão ???? Colaboração limitada → sem redução

Inteiro Teor

     O Tribunal de origem aplicou a causa de diminuição de pena do art. 41 da Lei de Drogas, sob o argumento de que “não se pode olvidar que a informação trazida pelo réu acarretou na apreensão de uma significativa quantidade de drogas“.

     Contudo, sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que, para o reconhecimento da minorante prevista no art. 41 da Lei n. 11.343/2006, é necessário que a colaboração voluntária do agente promova a identificação de outros coautores e a apreensão de entorpecentes, de forma cumulativa.

     No caso, em que pese a colaboração do recorrido tenha contribuído para a apreensão de relevante quantidade de drogas, não houve auxílio para a identificação dos coautores.

     Assim, não foram cumpridos todos os requisitos para a aplicação da referida benesse, devendo ser decotada da dosimetria da pena.

9.        Limitação de acesso a e-mails da vítima

Destaque

Não há cerceamento de defesa quando o juiz limita o acesso da defesa apenas às mensagens relacionadas ao processo, preservando a intimidade da vítima e excluindo contas que sequer pertenciam a ela.

AgRg no RHC 143.762-PE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por maioria, julgado em 7/10/2025, DJEN 24/10/2025.

Conteúdo-Base

???? CPP, art. 400 §1º; CF, art. 5º X; princípios da intimidade e proporcionalidade.

???? O juiz pode indeferir provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

???? Não há dever de franquear todo o conteúdo telemático da vítima.

???? Limitação é legítima quando:

  • a conta não pertence à vítima;
  • mensagens irrelevantes preservam sua intimidade;
  • somente material periciado é relevante ao caso.

Discussão e Tese

???? O réu queria acesso integral a todas as contas de e-mail supostamente ligadas à vítima.

⚖ O STJ manteve a limitação: a conta não pertencia à vítima e o acesso irrestrito violaria sua intimidade sem relevância probatória.

Como será Cobrado em Prova

???? A defesa tem direito a acessar integralmente todas as mensagens obtidas na quebra de sigilo da vítima.

❌ Errado. A defesa só acessa o que é relevante ao processo.

???? A limitação de acesso da vítima à quebra de sigilo é legítima quando fundada na intimidade da vítima e na irrelevância das mensagens.

✅ Correto. Especialmente em se tratando de mensagens irrelevantes preservam sua intimidade.

Versão Esquematizada

???? Sigilo telemático – e-mails
???? CPP 400 §1º ???? Intimidade da vítima ???? Acesso limitado → válido ???? Irrelevância + conta não pertencente

Inteiro Teor

     A controvérsia cinge-se em verificar se constitui cerceamento de defesa limitar o acesso dos advogados constituídos pelo acusado apenas aos elementos de convicção que se conectam com a ação penal, conforme reputado pelo instituto de criminalística, coletados em razão da quebra de sigilo telemático de vítima de homicídio, prevalecendo o direito da intimidade em detrimento da ampla defesa.

     No caso, o recorrente foi denunciado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado, requereu a quebra do sigilo de todas as contas de e-mail associadas à vítima. O pleito foi deferido parcialmente, porque o Magistrado singular não permitiu o acesso da defesa à integralidade das mensagens, mas somente àquelas relacionadas ao processo, pré-selecionadas pelo Instituto de Criminalística.

     Impetrado habeas corpus, sustentou que a restrição ao acesso das mensagens constantes das contas de e-mail, supostamente pertencentes à vítima, viola o direito à ampla defesa. Diante disso, buscou que fosse conferido o acesso à integralidade do conteúdo dos e-mails utilizados pela vítima.

     Com efeito, o art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal, autoriza que o magistrado, de forma fundamentada, possa indeferir as provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, uma vez que é ele o destinatário do todo arcabouço probatório produzido ao longo da marcha processual.

     No caso em discussão, ressalta-se que foi justificado que o acesso ao e-mail pretendido pela defesa do agravante não pertencia à vítima.

     Além disso, salienta-se que ao magistrado é dada a liberdade na dinâmica de valoração das provas, desde que o faça de forma motivada, como ocorreu no presente caso.

     Nesse sentido, conforme ensina a doutrina, a ampla liberdade conferida ao julgador lhe permite avaliar o conjunto probatório em sua magnitude e extrair da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da certeza legal, de modo que não existe hierarquia entre as provas, cabendo ao juiz imprimir na decisão o grau de importância das provas produzidas.

     Ademais, da mesma forma que a jurisprudência entende desnecessária de transcrição integral de interceptações telefônicas, não se vislumbra ilegalidade em limitar o acesso da defesa às contas de e-mail da vítima apenas para o que guarda relação com o caso concreto, sob pena de se devassar a intimidade da ofendida.

10.         Busca e apreensão e atuação de ofício do juiz

Destaque

A determinação de busca e apreensão domiciliar e quebra de sigilo telemático de ofício, sem requerimento da polícia ou do MP, viola o sistema acusatório previsto no art. 3º-A do CPP.

Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por maioria, julgado em 21/10/2025. 

Conteúdo-Base

???? CPP, arts. 3º-A e 242; CF, art. 5º X, XI.

???? Busca e apreensão exige provocação do órgão acusatório.

???? Art. 242 CPP deve ser lido conforme o novo sistema acusatório.

???? Juiz não pode, na investigação, determinar medidas probatórias de ofício.

???? Atuação ampliada viola imparcialidade judicial.

Discussão e Tese

???? O juiz determinou de ofício a apreensão de dispositivos eletrônicos e a quebra de sigilo de dados.

⚖ O STJ reconheceu a nulidade: a iniciativa deve ser do órgão de persecução penal.

Como será Cobrado em Prova

???? O juiz pode determinar busca e apreensão de ofício na fase investigativa.

❌ Errado. O art. 3º-A do CPP proíbe a iniciativa probatória do juiz.

???? A quebra de sigilo telemático exige provocação do MP ou da polícia, não podendo ser ordenada de ofício.

✅ Correto. A atuação do juiz sem provocação viola o sistema acusatório previsto no art. 3º-A do CPP.

Versão Esquematizada

???? Sistema acusatório – busca e apreensão
???? CPP 3º-A do CPP ???? Atuação de ofício → vedada ???? Quebra de sigilo exige provocação ???? Nulidade reconhecida

Inteiro Teor

     A questão em discussão consiste em saber se a determinação de ofício pelo juiz de busca e apreensão de dispositivos eletrônicos e quebra de sigilo telemático, sem provocação dos órgãos de persecução penal, viola o sistema acusatório e o princípio da imparcialidade.

     Pelo que se extrai da representação da autoridade policial, verifica-se ter sido requerida apenas a busca e apreensão do veículo do recorrente, com a finalidade de cumprir decisão anterior que havia determinado o sequestro e permitido o uso provisório do automóvel pela Polícia Civil.

     Não houve representação pela apreensão de dispositivos eletrônicos ou pela quebra do sigilo de dados telemáticos autorizada de ofício pelo Juízo de primeiro grau.

     Ao decidir esse pedido específico, a Magistrada ampliou significativamente o objeto da diligência, determinando não apenas a apreensão do veículo, mas também a busca por dispositivos eletrônicos e a quebra do sigilo dos dados neles armazenados, incluindo mensagens, aplicativos e arquivos em nuvem.

     Essa atuação de ofício, no atual estágio de evolução do sistema processual penal brasileiro, caracteriza violação do sistema acusatório, expressamente adotado pelo art. 3º-A do Código de Processo Penal (CPP), introduzido pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que estabelece que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação

     Embora o art. 242 do CPP preveja que a busca poderá ser determinada de ofício pelo juiz, tal dispositivo deve ser interpretado à luz da Constituição Federal e do atual modelo processual penal. A partir da vigência do art. 3º-A do CPP, que positivou o princípio acusatório já implícito na Constituição Federal, não mais se admite que o magistrado atue na fase investigativa de ofício, substituindo-se aos órgãos de persecução penal.

     No caso em tela, a Magistrada de piso não apenas determinou a busca e apreensão de dispositivos eletrônicos sem prévia provocação, como também autorizou, de ofício, a quebra do sigilo dos dados telemáticos, medida que implica restrição a direito fundamental à privacidade e que exige, por sua natureza, provocação dos órgãos de persecução penal e fundamentação específica.

11.       Comprovação de feriado local após a interposição do recurso

Destaque

Com a alteração promovida pela Lei 14.939/2024, a comprovação do feriado local — e, portanto, da tempestividade do recurso — pode ocorrer após a interposição, ou ser dispensada quando a informação constar dos autos eletrônicos ou se tratar de fato notório.

AgInt no REsp 2.147.665-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/10/2025.

Conteúdo-Base

???? CPC, arts. 14 e 1.046; Lei 14.939/2024.

???? A admissibilidade recursal situa-se no plano da validade do ato processual.

???? Cabimento e admissibilidade seguem a lei vigente à data da decisão recorrida (teoria do isolamento), mas a correção de defeitos formais segue a lei superveniente.

???? Lei 14.939/2024 permite comprovação tardia do feriado local.

???? Comprovação pode ser dispensada se:

  • fato notório;
  • informação constar do processo eletrônico.

Discussão e Tese

???? O STJ analisou recurso supostamente intempestivo por falta de comprovação do feriado local.

⚖ Concluiu que a Lei 14.939/2024 não altera requisitos de cabimento, mas altera o regime de correção de vícios, permitindo suprir posteriormente a prova do feriado — inclusive em recursos pendentes de julgamento.

Como será Cobrado em Prova

???? A Lei 14.939/2024 aplica-se a recursos pendentes, permitindo a correção posterior da prova do feriado local.

✅ Correto. Esse foi o entendimento firmado pelo STJ.

???? A comprovação do feriado local deve ocorrer exclusivamente no ato da interposição do recurso.

❌ Errado. A lei nova permite comprovação posterior ou dispensa da prova.

Versão Esquematizada

???? Feriado local – prova posterior
???? CPC 14 / 1.046 ???? Lei 14.939/2024 ???? Comprovação tardia → admitida ???? Dispensa → fato notório / autos eletrônicos

Inteiro Teor

          O juízo de admissibilidade está inserido na fase preliminar, de modo que precede a avaliação das razões recursais, encontrando-se no plano da validade do ato processual e do procedimento do qual faz parte. A inadmissibilidade recursal, portanto, é a sanção de invalidade do ato postulatório e de todo o procedimento recursal promovido pela parte interessada.

     As normas processuais novas, por sua vez, aplicam-se aos processos pendentes, conforme dispõem os arts. 14 e 1.046 do CPC de 2015, com a ressalva de que a aplicação imediata da norma processual deve respeitar “os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada” (art. 14 do CPC).

     Isso significa que o cabimento e a admissibilidade do recurso são regidos pela lei vigente à época da prolação da decisão objeto de impugnação. Assim, a jurisprudência da Terceira Turma firmou-se no sentido de que, se o prazo para a interposição do apelo nobre se encerrou antes do início da vigência da Lei n. 14.939/2024, deve-se aplicar a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual cada ato se submete à lei vigente ao tempo de sua prática, respeitando-se aqueles já consumados.

     Contudo, como já observado, o juízo de admissibilidade opera sobre o plano da validade do ato processual e a validade de um ato deve ser examinada contemporaneamente à sua formação.

     Desse modo, se a lei nova criar, extinguir ou modificar o regime jurídico do recurso, ela não terá aplicação imediata. O recurso, quanto a esses aspectos, continuará sendo regido pela lei anterior, ocorrendo o fenômeno de ultratividade da lei revogada, que é exceção à regra geral de aplicação imediata da lei nova.

     Circunstância absolutamente distinta é a aplicação imediata a recursos pendentes de julgamento de lei nova que apenas permita a correção de um defeito, tornando o recurso admissível. Não se trata de criação, modificação ou extinção de hipótese de cabimento de um recurso existente, ou de uma espécie recursal, ou de um requisito de validade, tampouco de modificação do procedimento do recurso, o que, em linhas gerais, afasta o entendimento acerca da teoria do isolamento dos atos processuais no caso concreto.

     Dessa forma, com a alteração promovida pela Lei n. 14.939/2024, a comprovação do feriado local e, por consequência, da tempestividade do recurso pode ocorrer após sua interposição, ou pode ser dispensada se a informação já constar nos autos eletrônicos ou se tratar de fato notório. A norma alinha-se à lógica encampada pelo CPC de 2015 quanto ao sistema de invalidades e o modelo cooperativo de processo.

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