Vai prestar concurso da Polícia Civil? A Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (LONPC) foi sancionada na semana passada e já está em vigor. Porém, diversos benefícios previstos no projeto de lei que norteou a nova norma ficaram de fora após vetos do Poder Executivo. A maioria foi excluída porque criava despesas sem prever a fonte de custeio para pagamento.
Isso é vedado pelo parágrafo 7º do artigo 167 da Constituição Federal. Portanto, a proposta era inconstitucional, segundo análise jurídica feita por diversos ministérios envolvidos, como o da Justiça; o da Previdência Social; o do Planejamento e Orçamento; o da Gestão e Inovação em Serviços Públicos; além da Advocacia-Geral da União.
Vale ressaltar que esse parágrafo foi inserido na CF por meio da Emenda Constitucional nº 128, de 22 de dezembro de 2022. Na época em que a emenda estava em discussão entre os parlamentares, foi apontado que ela acabaria impedindo melhorias para categorias profissionais, mas o Congresso aprovou mesmo assim.
Em síntese, os vetos na LONPC foram promovidos porque os dispositivos do projeto dei lei:
- eram inconstitucionais, pois contrariavam inúmeros artigos da Constituição Federal, com entendimento pacificado por meio de decisões e súmulas do Supremo Tribunal Federal (STF);
- afrontavam algumas leis federais, como a que instituiu a Política Nacional de Segurança Pública, em 2018, e o Código de Processo Penal;
- legislavam, de maneira indevida, sobre tema de competência dos estados definir, conforme estabelece a CF;
- desconsideravam as legislações estaduais relacionadas ao funcionamento da Polícia Civil no respectivo estado.
Todos os vetos foram devidamente justificados, com a indicação de qual artigo da Constituição, Súmula do STF ou lei infraconstitucional o benefício proposto desrespeitava e, portanto, inviabilizava a aprovação.
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Entidades criticam o governo federal
Os vetos na LONPC, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicada na última quinta-feira (23) no Diário Oficial da União, após o projeto de lei tramitar por 16 anos no Congresso Nacional, provocaram a reação de diversas entidades de classe.
Em nota conjunta, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol) e a Federação Nacional dos Peritos Oficiais em Identificação (Fenappi) citam “traição” por parte do governo federal.
“Até direitos básicos aos policiais civis aposentados vetados, deixando-os marginalizados e com insegurança jurídica e funcional, como se não tivessem mínima dignidade existencial mesmo diante de décadas de serviço de risco prestado à sociedade”, ressalta o texto.
Também em nota, o Sindicato dos Policiais Civis do Distrito Federal (Sinpol-DF) citou esforço coletivo no intuito de assegurar uma redação “mais aprimorada possível”, com o objetivo de modernizar as corporações e atualizar as atribuições das carreiras, atendendo e respeitando especificidades de cada região.
“A expectativa era que, com a mudança de governo, a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis finalmente avançasse, representando um progresso significativo para a categoria. No entanto, os 31 vetos foram disparados contra os milhares de policiais civis que, diariamente, se sacrificam para proteger vidas dos cidadãos brasileiros. Isso é profundamente injusto”, frisou o Sindpol-DF.
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Posicionamento da presidência da República
Em comunicado, a Presidência da República cita que, conforme o posicionamento de ministérios conectados ao tema, o presidente Lula precisou vetar “por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”, dispositivos que permitiam interferência na organização político-administrativa dos estados, com impacto negativo sobre o equilíbrio federativo e a segurança jurídica.
“Também vetou ações que restringiam a autonomia dos entes federativos e que previam contratação em unidades de saúde por mero processo seletivo sem aprovação prévia em concurso público”, ressalta a nota divulgada pela Agência Brasil.
Saiba quais direitos foram vetados
O texto deixou de fora, entre outros benefícios:
- o pagamento de indenizações por insalubridade, periculosidade, atividade em local de difícil acesso, por vestimenta e por exercício de trabalho noturno;
- a ajuda de custo em caso de remoção para outra cidade;
- o auxílio-saúde de caráter indenizatório; e
- o estabelecimento de carga horária máxima semanal de 40 horas, com direito a recebimento de horas extras.
Nas razões elencadas para os vetos, o Executivo afirma que essas propostas são inconstitucionais por infringirem o parágrafo 7º, do artigo 167 da Constituição, que veda a imposição ou transferência de qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, como despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os estados ou os municípios, sem a previsão de fonte orçamentária.
Ainda quanto às indenizações, a equipe técnica justificou que a criação das obrigações resvalava na autonomia dos estados, “inclusive em matérias de competência privativa de chefes de poderes executivos” estaduais, conforme prevê a legislação. Confira aqui todos os vetos e as razões jurídicas que levaram a isso.
Licença-prêmio, aposentadoria integral e abono permanência
Licença-prêmio: Um dos benefícios propostos pelo projeto de lei era a licença remunerada de três meses a cada período de cinco anos de efetivo exercício policial. Porém, de acordo com o presidente, ouvidos os ministérios do Planejamento e Orçamento, Gestão e Inovação em Serviço Público e a própria Advocacia-Geral da União, foi acatado o veto porque, embora reconhecida a boa intenção do legislador, a proposta é inconstitucional, com fundamento também no § 7º do art. 167 da CF/88.
“Além disso, a medida é um retrocesso ao restaurar a licença-prêmio conversível em pecúnia, extinta para os servidores públicos federais pela Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, que foi substituída pela licença capacitação, a fim de incrementar a eficiência e a efetividade da prestação de serviços públicos”, ressalta o parecer técnico.
Aposentadoria integral: Outro item não sancionado estabelecia que os policiais civis teriam direito a se aposentar com a totalidade da remuneração recebida no seu último cargo e de receber reajustes nos mesmos percentuais concedidos aos policiais na ativa.
O Ministério da Previdência justificou que essa proposta descumpre o artigo 40 da Constituição, que atribui aos entes essas definições, bem como a limitação ao valor do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) para os servidores que ingressaram depois da instituição do Regime de Previdência Complementar.
“O Supremo Tribunal Federal decidiu, no Recurso Extraordinário (RE) 1162672, com repercussão geral (Tema 1019), que policiais civis podem ter direito à paridade com policiais da ativa, mas, nesse caso, é necessário que haja previsão em lei complementar estadual anterior à promulgação da Emenda Constitucional 103, de 2019”, aponta o parecer.
Abono permanência: Também foi vetado dispositivo que dispunha sobre o direito de o policial civil receber o abono de permanência, ao completar os requisitos para a aposentadoria voluntaria e permanecer na atividade. Nesse caso, a justificativa do governo foi a de que essa previsão acaba por impor dever aos estados, contrariando o artigo 40 da Constituição, que “confere uma faculdade e não uma obrigação de conceder o abono de permanência, além de deixar a cargo do ente a fixação do seu montante”.
Leis locais seguem válidas?
O artigo 49 da Lei 14.735/2023 estabelece que “permanecem válidas as leis locais naquilo que não sejam incompatíveis com esta Lei”. A norma entrou em vigor na data da sua publicação. Sendo assim, dispositivos de leis dos estados quanto ao funcionamento, direitos e deveres da Polícia Civil local que forem contrários à nova norma devem ser adequados para atender à LONPC. Porém, a lei local continua produzindo efeitos se for compatível, podendo, inclusive, ser cobrada em edital de concurso da Polícia Civil.
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